Mais um feriado de Finados…
Não sei se você já perdeu alguém.
Tiveram de me explicar o que era a morte logo cedo. Tinha 9 anos quando minha coleguinha Veridiane faleceu. A moleca que sorria de olhos apertados, com aquele cabelo escorrido e a franjinha bagunçada viveu por 6 anos – e durante boa parte deles brincamos de esconde-esconde e mergulhamos incontáveis tecos de pão no molho à bolonhesa da “tia” Isabel, sua mãe.
Foi a primeira vez que me senti triste de verdade. Queria saber o porquê daquele ponto final mal colocado numa vida que eu ainda queria ter por perto. “Tinha sopro no coração” – é o que recordo das conversas de adulto ao meu redor.
Meus pais tiveram a sabedoria de não me levar ao enterro. Agradeço. Sou visual e não sei bem como lidaria com esse tipo de memória-base. Meu irmão também quase a mesma idade da Veri quando ela se foi. Ficou só a Vivi, sua irmã pouco mais velha do que eu, a quem restava sobreviver. Costumávamos brincar todos juntos em Serra Negra, cidade interiorana onde elas moravam e nós passávamos as férias escolares.
Sobrou o eco mudo das risadas naquela construção onde, mais de uma vez, Veri subiu para se esconder da gente. E ficou vazia a recém-inaugurada piscina em sua casa, que deixei de frequentar porque não havia mais alegria ali. Mudaram-se pouco depois para um lugar distante. Hoje entendo o porquê.
Já era pré-adolescente quando soube do trágico acidente de carro que levou o Eric embora com 18 anos e, milagrosamente, preservou seu irmão Igor, de 15 anos. Frequentávamos a mesma igreja. Famílias próximas. Você pode imaginar… Eric era alegre, brincalhão, fazia sucesso com as meninas. Deixou uma comunidade chocada e uma família devastada.
Igor teve que encarar a vida que insistia em vir pela frente. Começamos a namorar alguns anos depois – mas presenciei de perto aquela dor do luto que amarga a alma e esmaga o coração. Até virar saudade leva um bom tempo (e muitas caixas de de lenço de papel).
Estava voltando da faculdade quando tive a notícia do falecimento da única avó que conheci. Dormia do meu lado, no mesmo quarto, desde que eu me entendia por gente. Sabe vó querida? A minha era assim. Daquelas que contam história antes de dormir, colocam no prato só o caldinho de feijão pra gente, dão colo e fazem carinho no cabelo durante a viagem. Vó que inspira, ensina, cuida, ama. Vó que eu nunca estaria pronta para perder. Pois bem. Essa avó se foi.
Era semi-adulta quando ela partiu, então estava mais consciente da perda. Lamentei profundamente – e de forma bastante egoísta – todas as coisas que eu queria, ainda, perguntar a ela. Chorei pelas histórias que foram enterradas sem cuidado algum naquela cova sombria. Fiquei me perguntando se as inúmeras vezes que lhe disse “eu te amo” foram suficientes para que ela sentisse que, sim, eu a amava como minha segunda mãe. Ficaram os frascos de perfume inacabados, as camisolas novas que guardava para estrear em internações hospitalares, a cama vazia ao meu lado.
Um casal de amigos muito próximos há pouco enfrentou o segundo aborto. Expectativa frustrada. Incontáveis comentários infelizes. Sonhos adiados. Dor latejante. Tristeza subestimada.
Os bebês já tinham nomes, sapatinhos, personalidades, rostinhos imaginados… E eram amados, profundamente, por seus pais. O máximo que consegui foi escrever-lhes um poema, na época. Jeito besta de tentar mostrar empatia e amor. O que dizer a alguém que acabou de ver sua esperança desmoronar pela segunda vez?
A mais recente perda que tive, há menos de 3 meses, foi a do meu pai. Pais jamais deveriam ir embora. Mas o meu se foi, como outros incansáveis combatentes da guerra contra o câncer.
Tenho pouca condição de descrever, agora, a dor da ausência. Sim, ela é bem maior que a dor da perda. É o imenso pesar de saber o que seria dito – e não está sendo, nem nunca mais será.
Cada experiência de luto é única, pessoal e intransferível. E talvez você nem tenha enfrentado essa difícil jornada dos “finados”. Ainda é tempo de entregar flores em vida. Então, hoje, pra você, pode ser apenas mais um feriado pra descansar.
Até porque essa coisa de “fim” é muito cruel. Pressupõe que tudo acabou. “Finados”.
Só que, para mim, a Veri continua sendo uma doce lembrança dos tempos em que me divertia genuína e inocentemente, e precisava de pouco para ser feliz. O Eric, que nem chegou a saber que teria uma querida cunhada como eu, é parte essencial da família que hoje chamo também de minha, e que me acolheu como filha – mesmo tendo seus corações mutilados. Minha avó permanece sendo meu grande exemplo de caráter e de fé. Os sobrinhos do coração que se foram ainda sementinhas também ocupam espaço único no meu coração, porque trouxeram sorrisos e esperanças para amigos que considero irmãos. E meu pai está em tudo: no meu jeito brincalhão de levar a vida, na lógica matemática do meu irmão, no caldinho azedo da salada que minha filha toma igualzinho ao vô, no sorriso arteiro do meu sobrinho. Seu Gilberto também não acabou.
Então, de uma coisa eu sei: finados, não.
Seu texto é incrível. , finados, never. Tente passar “bem e com sanidade” por esse dia. Eu sempre como demais, ou bebo demais, ou falo demais, ou choro demais. Porque eu sempre queria mais dos que se foram. Jeito sem noção de eu me conectar a eles…(meu pai se foi há 9 anos bem no dia de finados… danandinho, Seu Marcio. um bj!
Estou passando pelo primeiro sem meu pai. Já está na metade. Vai acabar. E outros virão. Resta-me viver – é o que ele gostaria que eu fizesse, com certeza. Força. Beijo.