Lulu Santos sabe das coisas.

Pra fechar o que feriu por dentro demora mesmo. Nessa fantástica era pós-moderna em que o mertiolate não arde mais e nem tem aquela cor pavorosa de sangue, machucar-se continua doendo um bocado. Na pré-adolescência, perdi a conta dos joelhos ralados em quedas de bicicleta pelo bairro afora. Precisei de muita água com sabão e de muito beijinho de mamãe pra sarar. Só depois, fecharam as feridas. E, claro, cicatrizes foram inevitáveis.

Natural que seja assim. Impossível estarmos 100% bem o tempo todo, seres integrais que somos. É muita engrenagem pra funcionar simultaneamente: motores emocionais, físicos, espirituais. Quando uma delas pifa, torcemos para que as outras compensem a defasagem e mantenham a máquina em funcionamento. Aquela velha história de só notarmos a importância do dedinho do pé quando o topamos na quina da cama é a mais pura verdade. Felizes os que conseguem se sentir plenos, mesmo com alguma área enferrujada na vida. Só que nem todo mundo é assim.

Tanto pra você quanto pra mim, meu amigo, o relógio anda na mesma velocidade. O tempo tem idêntica duração. Acontece que alguns de nós conseguem lidar melhor com o processo de cicatrização “do que feriu por dentro”. Outros não – e isso não faz deles piores ou mais fracos – e sim humanos. Há remédio para grande parte das dores físicas. Mas as doenças da alma são BEM difíceis – tanto de identificar quanto de tratar. É delas que estou falando. Mais especificamente, da antagonista mais famosa da nossa época: a depressão.

Ainda leva uma cara pra gente poder dar risada. Uma cara, mesmo. Lembra como arde, na hora, aquele joelho recém-ralado? Enquanto ainda sai sangue, a dor é latejante. Arregaça. Parece que nunca mais vai sarar. E formar aquela casquinha demora uma aparente eternidade. Até que, um dia, quando você acorda, sente uma coceirinha. Apreensivo, ainda com o reflexo do machucado, passa a mão delicadamente sobre a ferida. E vê que já não dói. Ainda não está curada. Falta fechar direito. Mas você já consegue dobrar a perna e andar quase que normalmente. Quem tem depressão está vivendo um estágio de dor latente. Falta ânimo, a motivação é nula.

Assim caminha a humanidade: com passos de formiga e sem vontade. A vida com depressão – e eu tenho certeza que você consegue pensar em algumas pessoas próximas que passaram ou ainda passam por essa dificuldade – é um permanente estado de letargia e apatia. Eu já senti na pele essa tristeza que tira o brilho do mundo. Sim, ela me feriu por dentro.

Não vou dizer que foi ruim. Também não foi tão bom assim. Ouso dizer que talvez a depressão tenha sido, para mim, um mal necessário. E aqui não defendo sua existência – se pudesse, decretaria sua completa extinção – mas penso que, já que ela chegou e se instalou sem permissão, cabe a cada um buscar meios para expulsá-la. Para mim, foi péssimo. Sofrido. Agoniante. Não desejo para ninguém passar pelo que passei. Mas a depressão me permitiu lidar com fantasmas que precisavam abandonar meus porões. Graças a Deus, eles se foram.

Não imagine que te quero mal, depressão. Apenas não te quero mais.

 

 

Se você nunca sentiu isso, seja grato. E respeite quem está na luta. Especialmente se for alguém próximo a você. Não exija resultados rápidos e instantâneos feito miojo. Apenas esteja presente no processo. Mostre amor, ofereça apoio. O efeito você vai perceber a cada dia. Sem pressa nem pressão. Vale a pena viver.