- Amor, você tira o lixo, por favor?

Aqui em casa, raramente sobra pra mim essa tarefa. No bem-bolado das funções domésticas divididas, essa ficou com o marido. Coitado. Mas, ufa.

Faço várias coisas chatas, e não reclamo delas: lavo louças, roupas, tapetes. Penduro meias sem par num varal altíssimo, na micro-varanda do apartamento. Troco fralda fedida, tiro cabelo do ralo, desengorduro blusas manchadas. Só não limpo cocô de cachorro porque não sou sensível o suficiente para ter um animal de estimação.

O marido é parceiro. Faz tudo isso também. Tarefas desagradáveis, mas necessárias. Nada mais que a obrigação de um ser humano qualquer que habita um lar qualquer, não é mesmo?

Mas aí a gente chega no tópico ‘lixo’. Cavalheiro, marido assumiu a bronca. Donzela, deixei.

Lixo é uma coisa difícil. Lixo cheira mal. Lixo é podre. Lixo é resto de resto de resto. Lixo é decomposição. Lixo é sujeira, imundície, detrito. Lixo de banheiro, então, ai, ai.

Puxa, mas é uma tarefa tão simples! Pega um saco preto, coloca tudo dentro, leva pra bem longe. Pronto. Doeu?

O problema é que é impossível tirar o lixo sem mexer nele. Dar uma revirada. Aí vem aquele cheiro fétido. Cara de nojo. E quanto mais procrastinamos jogá-lo fora, pior o cenário.

Fico pensando quanto lixo a gente acumula na vida. Coisas materiais e outras um tanto mais profundas. Por fora: roupas que não usamos mais, aparelhos eletrônicos ultrapassados, livros já lidos, mantimentos vencidos. Por dentro, no âmago: feridas abertas, mágoas antigas, comportamentos inapropriados, relacionamentos abusivos, vícios destrutivos. Lixos.

Jogá-los fora não é tão fácil quanto parece, também. Envolve colocar a mão neles. Escavar sacos escuros que cheiram mal. Dizem que quem mora perto de rios poluídos, depois de um tempo, não se incomoda mais com aquele fedor. Acostuma as narinas. Será que estou vivendo num aterro horrendo e nem sequer percebo?

Lixo ocupa espaço. Como estão meus armários? Lotados. Quase não há espaço para coisas novas. Percebe a profundidade disso? A Jout Jout fez uma missiva enorme sobre “antes de entrar, deixe sair” em um vídeo recente. Concordo com ela. Minha mãe sempre me incentivou a dar para minhas primas menores as roupas que não me serviam mais. Somente quando estivessem vazias as gavetas, ela me daria novas.

Tem lugar sobrando aí dentro, para ser entulhado de inutilidades? Aqui não tem. Mas eu insisto em manter manias autodestrutivas, como roer unhas e arrancar pelezinhas ressecadas da boca – apesar do protesto desesperado de quem me conhece. Entulho da pior espécie. Tranquilo, jogar fora. Por que não consigo?

Estou de mudança para uma casa. E casas possuem encanamentos provenientes de ruas. E ruas, minha gente, ruas são redutos de bichos escrotos que saem dos esgotos: ratos, formigas, baratas, moscas. Como mudar os hábitos de quem tira o lixo poucas vezes na semana a fim de evitar uma tragédia? Estou com medo. Terei de entrar no revezamento. Sujar a mão de lixo. Criar coragem e jogá-lo fora diariamente.

Quero acreditar em algum tipo de final feliz. A sensação de limpeza pode ser uma boa motivação. Talvez separar o lixo reciclável – coisa que vergonhosamente ainda não fazíamos direito – ajude a me sentir melhor. Sim, lixo se recicla! Há algo útil para a natureza, para o ecossistema, para a humanidade, quando desprezamos o lixo em local apropriado.

Onde preciso depositar cada entulho pesado que está sob meus ombros? Será que consigo aproveitar algo daquela podridão toda? Reciclar hábitos? Mudar rumos? Vale o teste.

- Amor, deixa que eu jogo o lixo.