Já que no texto anterior falei bastante do filme do Superman lançado nos anos 70, nada mais justo que começar este citando seus dois criadores: Jerry Siegel (escritor) e Joe Shuster (cartunista). Ambos lançaram a primeira história do herói em 1938, quando não tinham nem 24 anos. Filhos de imigrantes judeus, tudo o que queriam era vencer em um país que ainda sofria os efeitos da crash na bolsa de 1929.
Sendo assim, que tal criar um homem com superpoderes capaz de enfrentar todas as dificuldades? Melhor ainda se ele for um imigrante vindo de outro planeta. E que tal escrever sua origem juntando um pouco da religião judaica como a história de Moisés e a espera de um Messias salvador?
Por isso, não é surpresa que o Superman tenha feito tanto sucesso. É aqui que entra a importância do contexto histórico para explicar a fama do personagem. E de outros heróis. De uma certa forma suas histórias permitem que nosso imaginário se liberte da dura realidade do cotidiano.
E isso independe da época. Adaptações, repaginações, novos poderes e vilões garantem a longevidade e dão um upgrade no herói. Aqueles que não conseguem se adaptar, simplesmente desaparecem. Nem superpoderes resistem à teoria de Darwin.
Mas nem tudo são flores. A visão do semiólogo Umberto Eco, por exemplo, não pode ser considerada muito positiva. Cito aqui parte do artigo O Mito do Superman, presente no livro Apocalípticos e Integrados:
(…) Clark Kent personaliza, de modo bastante típico, o leitor médio torturado por complexos e desprezado pelos seus semelhantes; através de um óbvio processo de identificação, um contador qualquer de uma cidade norte-americana qualquer, nutre secretamente a esperança de que um dia, das vestes da sua atual personalidade, possa florir um super-homem capaz de resgatar anos de mediocridade.
Por outro lado, este mesmo escape do cidadão comum nas histórias de super-heróis pode ser visto por um viés mais otimista. O roteirista Grant Morrison (que entre outras HQs criou Asilo Arkham, graphic novel que ajudou a levar o universo do Batman para outro nível de público e complexidade), acredita que os super-heróis trazem uma visão mais esperançosa em um mundo rude demais. No seu livro Superdeuses ele defende:
Pode o super-herói de capa e colante ser a melhor representação atual daquilo que todos nós podemos nos tornar, se nos sentirmos merecedores de um amanhã em que as grandes virtudes serão fortes o bastante para superar os impulsos destrutivos que tentam desfazer o projeto humano?
Vivemos nas histórias que contamos.
Numa cultura secular, científica e racional, que deixa a desejar em lideranças espirituais confiáveis, as histórias de super-herói falam mais alto e com mais força frente a nossos grandes medos, nossos desejos mais profundos e nossas maiores aspirações.
Elas não têm medo de trazer esperança, não se envergonham do otimismo e não têm medo do escuro. Estão o mais distante possível do realismo social, mas as melhores histórias de super-herói lidam diretamente com elementos míticos da experiência humana com os quais todos nós podemos fazer paralelo, de forma criativa, profunda, engraçada e provocante.
Eles existem para resolver problemas de todo tipo e sempre podemos contar com eles para salvar o dia. Quando são bons, eles nos ajudam a enfrentar e resolver até crises existenciais mais profundas. Deveríamos ouvir o que eles têm a dizer.
E aí? Quem está certo? Na minha opinião, ambos. E se mantivermos esses dois olhares, ao analisar as histórias de super-heróis conseguiremos nos divertir e, ao mesmo tempo, tirar bons insights sobre de que forma os heróis estão respondendo a certas questões de nossa época.
Talvez eu volte ao tema no próximo texto. Mas, antes de encerrar, outra dica: para saber mais, confira o documentário de três capítulos Superheroes: a Never Ending Battle. Muito bem feito, trata justamente da longevidade dos heróis graças a esta sintonia com seu público e contexto histórico.
Sem Comentário