Dormiu.

Tudo bem que a cabecinha está meio torta, debaixo do braço da mamãe e a mãozinha, firme, segue agarrada ao meu polegar esquerdo, dificultando um pouco que eu siga digitando este texto com apenas uma mão. O importante é que o bebê finalmente dormiu e que o relógio começou a contagem regressiva de mais ou menos 50 minutos de liberdade para que eu possa fazer tudo o que eu não consegui desde que o dia começou.

Depois que ele nasceu, meu conceito de liberdade mudou radicalmente. De “uhu, nas próximas férias quero finalmente fazer o Caminho de Santiago” para “uhu, minha mãe vai passar a tarde em casa e eu vou aproveitar pra marcar médico e tomar um banho que dure mais que cinco minutos”.

Liberdade, para mim, hoje, é ler um capítulo de livro enquanto o pai brinca com o bebê. É conseguir almoçar enquanto a comida ainda está quentinha. É trabalhar menos horas por dia pra poder curtir a infância do pequeno.

Aliás, falando em tempo, a minha relação com ele mudou também. Incrível, como eu costumava ter um monte de horas vazias antes de ser mãe e me achava a mulher mais sobrecarregada do mundo. O que será que eu fazia com todo esse tempo? Dava para ter escrito um livro e cursado até faculdade com a quantidade de tempo livre que eu tinha.

Agora, embora escassos, esses momentos vazios são tão mais bem preenchidos, e eu me vejo tão mais eficiente, que seria injusto me queixar.

Com o baixinho no berço, praticidade virou meu sobrenome. Já lavei a louça e coloquei a roupa na máquina. Paguei umas contas e escrevi mais dois parágrafos desse texto.

Bastante coisa, sim, mas confesso que tenho achado essa rotina de recém-mãe um pouco monótona, totalmente preenchida pelos afazeres da casa e do bebê. Será que um dia terei tempo para algo mais na minha vida, meu Deus?

Fora o tempo, tem a cabeça. Como é que fica a cabeça?

Será que algum dia vou conseguir voltar a pensar em outras coisas, que não fraldas ou bochechas rosadinhas?

Enquanto o pensamento vagueia, o relógio voa.

Ainda tenho alguns minutos, preciso correr para aproveitar cada momento de tranquilidade.

Se ele tivesse mamado, esse tempinho teria sido com ele no colo para arrotar. “Vinte minutos, no mínimo, com ele na vertical, mãe”, recomendou a médica. Quem tem bebê com refluxo entende a preocupação. Não pode regurgitar. É errado, gente. Dói nele e em nós. Fora que ainda tem todo o esforço que venho fazendo para aumentar a quantidade de leite e garantir que chegaremos firmes e fortes, só no peito, até os 6 meses. E acabaram os babadores, que ainda estão molhados no varal por causa desse maldito tempo úmido, que já dura três dias.

Pronto, descongelei a lasanha de micro-ondas, será que rola almoçar? Arrisquei e rolou.

Não creio, estou muito eficiente hoje.

Bebê dormindo há uma hora e cinco minutos. Ostentação? Alegria? Liberdade? Tudo isso junto?

Na verdade, sei não, estou ficando preocupada.

Acho que não tenho mais nada pra fazer agora.

Mais 5 minutos.

Não estou sabendo lidar com essa soneca tão longa.

É muita maldade acordá-lo?

Acho que vou colocar música. Mozart é bom pra bebês, né? Não, Mozart não, dizem que acalma. Galinha Pintadinha, então.

Alô, neném? Tem alguém aí?

A Dona Aranha já está subindo pela parede há 10 minutos e acaba de atingir o quinto andar do prédio. Você não vai acordar, não?

Peraí, parece que acordou.

Acordou?

Acordou!

OI, MEU AMOR! GATÃO-GUTI-GUTI-DA-MAMÃE-NENÉM-MAIS-DELICIOSO-DO-MUNDO.

Não me abandona mais assim, não, filho, estava morrendo de saudade.

O que vamos fazer agora?