Estávamos jantando na casa de um casal de amigos. De repente, entre uma garfada e outra, ela puxa um assunto:

– Seus pais já começaram a dar trabalho? Porque os nossos já.

Fui pega de surpresa pela pergunta e, mais ainda, pela minha resposta:

– Já!

Meu pai é diabético, tem um problema de visão e uma teimosia crônica que só pioram com o passar dos anos. Para um cara independente, ativo no grau máximo e que sempre cuidou da gente, é complicado aceitar essas limitações.

Meu sogro se aposentou e faz “nada” todos os dias, sinônimo de depressão. Este ano, enfrentou nada menos que um câncer de próstata e a quinta cirurgia na cabeça para drenar um tumor que cisma em crescer de tempos em tempos. Com esse tumor, a visão dele foi afetada, e precisou parar de dirigir.

De repente, parei para pensar: quando foi que nossos pais envelheceram a ponto de já ser assunto de jantar o “trabalho” que estão dando?

Não estou pronta para isso.

Mal superei a crise com minha avó, que tem demência e precisou ir para uma instituição. Logo o peso de um desamparo veio para meus ombros.

Discorrendo sobre velhice, pensamos em morte.

E perder meus pais é o meu maior medo.

Quando minha avó começou a dar os primeiros sinais de que algo não ia bem, não nos demos conta de que ela poderia estar doente. Até dávamos risada das suas trapalhadas.

Até que vimos que tudo piorava e que ela já não podia ficar sozinha. Tentamos cuidadoras. Foram cinco em uma semana. Bateu em uma, trancou a outra para fora. Então, ela passou a morar cada semana com um: com meu pai, com meu tio e comigo.

Depois de alguns meses, ficou insustentável. Meu tio envelheceu uns 10 anos, meu pai teve úlcera e eu só chorava por não dar conta. Foi morar com a irmã. Também durou pouco. Duas velhinhas juntas… imagine.

E aí, foi inevitável. No dia em que a levamos para a instituição, percebi que nunca mais ia comer o lanchinho dela, a berinjela, o suflê. Ela não ia mais fazer rabo de cavalo em meus cabelos. Ela não ia estar comigo para ver meu bebê crescer. Como doía. Como dói, ainda.

Parece que roubaram minhas referências de infância, de colo de vó.

As coisas que eu vivia no dia a dia se tornaram oficialmente memórias.

Ela conheceu meu filho, ela cobriu meu filho, seus olhos encheram de lágrimas. E o soco na boca do estômago final foi quando ela disse baixinho: você sozinha cuidando dele, eu podia ajudar, mas agora estou aqui…

Óbvio que me sinto culpada por não ter segurado a onda e cuidado dela. Óbvio que penso como será comigo.

Agora, com um filho, vejo como me doo tanto, como meus pais e meus sogros se doam tanto, para, talvez, acabar como minha vó, que também se doou tanto para mim.

Mas cuidar de bebê todo mundo quer. Agora, de um idoso, a história é outra.

Não estou pronta para passar de fase e enfrentar isso com meus pais. Acho que nunca estarei.

E a vida nem liga para isso. Vem e faz o que tem que fazer. Dá rasteira, dá afago. 

Como diz a música viral do Whats: “A vida é trem-bala, parceiro. E a gente é só passageiro prestes a partir”.