Meu avô italiano jogou o umbigo da minha mãe no mar, durante uma viagem de navio à sua terra Natal. Antiga superstição europeia. Reza a lenda que, quando isso acontece, a criança cresce desapegada da terra e se transforma num adulto do mundo, um viajante incurável.

Parece que funcionou. Minha mãe fez o mesmo com o meu umbigo, anos depois, numa viagem pela Grécia (eu já tinha uns 16 anos e andava por esse mundão fazia tempo, mas ela achou melhor não arriscar).

Ainda não joguei os dos meus filhos – coisa que farei um dia – mas eles já nasceram com essa característica da família: aproveitar cada oportunidade de fazer as malas e sair por aí. Desde bebezinhos de colo.

Muita gente não entende:

– Por que levar crianças pequenas pra viajar? Elas nem vão lembrar de nada!

– Menina, aproveita uns dias pra descansar só com o marido.

– Viajar com crianças? Isso dá muito trabalho…

– Coitadinhas dessas crianças… Tão pequenas, já pra cima e pra baixo.

Eu levo porque preciso viajar. Tenho uma necessidade quase fisiológica. E longe deles nunca aproveito da mesma forma, nunca fico totalmente tranquila. Então, para começar de forma honesta: trata-se de uma questão pessoal e egoísta. Só que a motivação vai muito além. Não consigo pensar em nenhuma contribuição melhor para a formação deles do que viajar.

É claro, eles podem começar a fazer isso também quando forem grandes, como muita gente faz. Mas, antes da viagem em si, vem a vontade de incutir neles o hábito de se aventurar pelos quatro cantos do planeta, a curiosidade em saber o que existe do lado de lá, seja na próxima esquina, seja cruzando o oceano.

Desejo que eles também tenham essa necessidade orgânica de mudar de cenário, de conhecer outras culturas, de desbravar. De entender que viagem não é luxo. Que é muito mais que descanso, muito mais que lazer, muito mais que prazer.

É um resgate do passado, uma celebração do presente e um investimento no futuro. Por isso, acho fundamental ensinar às crianças a exercitar esse outro olhar, de quem sabe que o mundo é muito maior que o próprio umbigo.

Não estou preocupada se elas vão se lembrar ou não – apesar de que a neurociência já nos tenha dito que a memória é a base para a aprendizagem e para a formação da nossa identidade. Novos lugares, cheiros e sabores são estímulos para o desenvolvimento cerebral e cognitivo. São repertório cultural para a formação intelectual do que seremos no futuro.

Por acaso nós, adultos, deixamos de fazer alguma coisa na vida pensando se vamos nos lembrar daqui a alguns anos ou não? O mais importante, a meu ver, é o que as crianças estão vivenciando naquele momento: os olhinhos curiosos se arregalando diante de tantas novidades, acabando com nossa inércia de gente grande e, tão generosamente, convidando-nos a redescobrir o mundo por meio da perspectiva delas.

É surpreendente, por exemplo, levar os filhos (ou sobrinhos, ou netos) a uma cidade que você já conhece muito bem, para onde já foi muitas vezes. Você sempre encontra novos passeios para fazer, novos ângulos e percepções diferentes. É quase como um novo lugar a ser descoberto.

É fácil viajar com crianças? Claro que não. Dá trabalho? Claro que sim. Não é o mesmo tipo de viagem que você faria sozinho ou em casal. Não dá para voltar a ser mochileiro adolescente e bater perna das 6 da manhã à meia-noite, almoçando uma barra de KitKat com Coca-Cola, para economizar e não perder tempo.

Tudo com criança é mais demorado. Tem que programar com um mínimo de antecedência. O tempo é outro. Tempo para arrumar as tralhas que você precisa colocar na bolsa. Tempo pra alimentar as crias. Tempo para passar na segurança do aeroporto.  E, especialmente, tempo para respeitar o limite delas, sem estresse. Afinal, você quer que seja uma experiência prazerosa, que gere boas recordações. Uma viagem em família serve também para fortalecer o elo entre seus integrantes.

Recomendo que, portanto, relaxe e vá. Lide com as adversidades à medida que forem aparecendo, e da maneira mais leve possível. Na pior das hipóteses, cada abacaxi descascado servirá como aprendizado e renderá uma história engraçada para contar na volta.

Aqui em casa, foram tantas as situações… Já tivemos que correr na neve com as crianças pra não perder um trem super pontual em Viena, já carregamos carrinho durante uma subida de 14 andares em Londres, já disfarçamos o nosso próprio nervosismo e claustrofobia pra não assustar as crianças ao ficarmos presos num elevador minúsculo na Toscana, já baixamos num pronto-socorro em Portugal, já brigamos com taxista grosso em Roma porque o menorzinho vomitou no carro. A última peripécia foi uma viagem com avós, netos e um barrigão de 7 meses de gravidez pelo interior da Itália, justamente em busca das origens dos nossos antepassados, percorrendo a trajetória do meu avô italiano – aquele que jogou o umbigo da minha mãe no mar.

Meu conselho: não se prive de viver isso com seus filhos, sobrinhos ou netos. Viaje. Experimente. Vá com o coração aberto. Observe. Escute os comentários sagazes dos pequenos. Tente coisas novas. Aprenda. Divirta-se com eles.

Já dizia o poeta: “Navegar é preciso”. E eu te digo: “desde sempre”.