Vocês acham mesmo que eu não via vocês colando na prova, crianças?

Desconfiam realmente que nunca ouvi nos corredores os apelidos que me colocavam? Coxinha, Professor Pardal, Pança, Bifinho, o que mais?

Será que pensam que eu ignorava as… como vocês dizem, mesmo? Tretas entre a galera? Achavam que eu não percebia que a luta dos que sentavam na primeira fila era evitar o bullying dos poderosos do fundão – que, por sua vez, tentavam se auto afirmar diante de uma intensa e brutal insegurança, tão natural da idade e tão comum às gerações que vi passarem?

Esqueceram-se de que fui aluno? Que também fui tentado burlar as regras? Que tive pouco tempo para entregar trabalhos? Que precisei me dividir entre dever e prazer, e o segundo sempre saía prejudicado? Será possível que acreditavam que aquilo era alguma novidade para mim?

Ah, turma… Por acaso vocês têm ideia de quantas noites deixei de estar com meus filhos – da idade de vocês – para corrigir seus trabalhos descaradamente plagiados? Ou de quantos finais de férias investi preparando aulas dinâmicas, contextualizadas, aplicáveis, para desafiar vocês a refletirem? Sim, vocês: os que fingiam prestar atenção à aula e trocavam bilhetinhos enquanto eu discorria sobre a Revolução Farroupilha.

Entendam uma coisa, meus queridos: quem escolhe dedicar sua vida ao Ensino tem um tipo de motivação muito-muito-muito forte – ou alguma doença neurológica de ordem grave e incurável. Não é profissão, é missão. Não é opção, é propósito.

Ou vocês acreditam que alguém em sã consciência deseja ser desrespeitado, ignorado, desacatado e ridicularizado por pirralhos que nada sabem sobre a vida?

Professor escolhe ensinar porque acredita que vale a pena. E talvez também por sentir algum tipo de dívida com o universo, já que seguramente alguém fez isso por ele: investiu tempo em sua formação. E essa educação lhe transformou a vida, a jornada, o destino.

Por trás da História do descobrimento do Brasil que lhes contei, meus alunos, está a história deste velho professor.

Calejado de ouvir as mesmas desculpas para a não entrega dos trabalhos e para as ausências descabidas. Cansado da jornada tripla, da rinite alérgica, da tendinite aguda e do salário indigno.

Mas convicto de que seu trabalho fará a diferença na vida de pelo menos um daqueles olhinhos brilhantes que o fitam durante anos seguidos na escola.

Pelo menos um.

E quando esse aluno, por um acaso da vida, voltar e me disser que meu trabalho não foi em vão, prometo ser modesto: “Que é isso, imagine… A sua turma é que era ótima”.

Por dentro, porém, chorarei todos os afluentes do Amazonas. Recitarei mentalmente duas ou três poesias de Fernando Pessoa. Lembrarei das fórmulas matemáticas, físicas, químicas e biológicas que dão sentido à minha existência. E, então, realizado, poderei dar descanso ao giz.