Nunca fui muito chegada em carinhos. Pelo menos não físicos.

Deve ser algo de família. Tenho parentes que compartilham do mesmo sentimento. Ou somos completamente anormais – o que não me surpreenderia muito –, ou essa deve ser uma característica recorrente em alguma parcela da população.

Se alguém passar a mão no meu rosto, é provável que eu comece a me estapear, pensando que estou com a cara suja. Vou perguntar, assustada: o que foi? E não vou achar fofo, nem meigo, nem afetuoso, quando a pessoa responder que foi só um carinho.

Tem gente que fala comigo bem de perto. Mesmo. Com o rosto a uns vinte centímetros de distância, apenas. Dá pra sentir a respiração. E, não, o ser humano não está prestes a me beijar apaixonadamente. Também não vai me contar um segredo.

Nós não temos a menor intimidade, aliás. E a pessoa discorre empolgadamente sobre um assunto aleatório. A MENOS DE VINTE CENTÍMETROS DA MINHA CARA. Tenho medo, seguido de desespero, ao pensar que a qualquer momento voará de sua boca uma babinha em minha direção. Dou um passo pra trás. Não é possível, ela vai perceber – tento me iludir.

A pessoa decide, então, invadir a minha bolha. Pega no meu braço. Não estou ouvindo mais.

Todos temos uma bolha-espacial-imaginária-e-sagrada ao nosso redor. Ela fica exatamente no limite entre uma conversa confortável com um estranho e a troca de afagos consentida com alguém que já é íntimo.

O raio da bolha-espacial-imaginária-e-sagrada varia de acordo com a relação que cada um tem com carinho, ou com toque físico. Tem gente que tem a dita quase rente à pele e não se incomoda com o toque alheio. A minha estoura quando é atingida a menos de 40 centímetros do perímetro de todo o meu corpo – sendo que ao redor do rosto e da cabeça, a distância mínima necessária para o estouro aumenta para mais de meio metro.

Estou longe de ser uma pedra de gelo insensível – ao contrário do que alguns ursos carinhosos possam achar.

Adoro beijos, abraços e amassos pertinentes. Só não consigo achar gostosinho quando um carinho inoportunozinho vem em minha direçãozinha.

Quem pode chegar aqui sabe bem que pode. E como pode.

Só que você, pessoa que não pode, deve se manter um pouco mais longinho, tá bem?

E, já que comecei, é bom avisar: pegou no meu cabelo, viro onça. Tipo a Juma. É mió ocê nun fazê bagunça aqui.

Pra quê pegar no cabelo, gente? Cabelo é um troço pessoal. Cada um conhece o seu. Tem o lado certo de pentear. Uns dias acorda bem. Outros, temperamental.

Meu cabelo é cacheado. Isso deveria ser argumento suficiente para os mortais nunca tentarem brincar com ele. Não se brinca com cabelo. Compra uma mola na loja de R$ 1,99.

Tá bom. Eu sei que tem quem goste de tudo isso. Não estou tentando provar uma verdade absoluta.

Conheço gente até dorme quando alguém faz carinho na sua cabeça. Gente que pede pra receber afagos diversos. Gente que se sente amada assim. (E, preciso deixar bem claro: não tenho problema algum em dar carinho. Se isso fará bem a você, conte com meu afeto. Só não retribua, da mesma forma, por obséquio).

O que me faz sentir amada? Presentes, flores, viagens. Falando sério: apenas diga o que sou, para você. Faça carinho usando palavras. Comigo, funciona assim. Desafie-me. Uma provocação – verbal ou escrita – bem colocada faz mais efeito que qualquer afago se o intuito é demonstrar seu amor por mim.

Ah, e gaste tempo comigo. Não muito. Não todo. Mas algum tempo.

Mostre amor prestando atenção no que é importante para mim. Diga que se importa. Deixe-me falar, por quantos minutos forem necessários para que conclua meu raciocínio. Tente não me interromper para contar que sua dor é pior, sua experiência foi mais emocionante, seus filhos eram mais terríveis, seus amores foram mais intensos.

Escuta: eu te deixo ser, deixa-me ser então”.

Em tempo: próclise é um dos tipos de colocação pronominal, quando o pronome vem antes do verbo. Só que pronome oblíquo não pode começar frases, ao contrário do que eu fiz quando iniciei o título com “me”. E, além de não gostar de carinho, eu sou a louca da Língua Portuguesa. Daí meu pedido de perdão.