Dia 8 de novembro foi o aniversário da Susana. Com S, não com Z.

Minha primeira amiga da escola. A ÚNICA com quem eu queria passar o recreio inteirinho e trocar confidências.

Claro que destilávamos nosso fel inocente sobre as outras meninas (dããã, tínhamos menos de 12 anos de idade!). Ela sabia que eu era apaixonada pelo Vladimir, amigo do meu irmão – que, só por ser amigo do MEU irmão, já era o cara mais inalcançável do universo.

Susana sempre foi inteligente, muito inteligente. Dividíamos o mesmo gosto pela Língua Portuguesa e, normalmente, éramos as queridinhas das professoras. Ela também sempre foi a mais querida da minha avó Nair, que a achava linda e suuuuuuper educada. Dela, nunca tive ciúmes sobre isso. Mas, para todas as outras, que fique claro que a avó era (é ainda) só minha.

Somos muito diferentes: eu era a primeira na fila. A Su, mais alta, estava sempre atrás de mim.  Ela tem aquela dádiva de ser loira natural de olhos verdíssimos, cabelos lisos e compridos. Meus cabelos sempre foram mutantes, castanhos. E meu sangue sempre ferveu mais que o dela.

Susana me salvou várias vezes.

Uma delas foi quando o professor Laurito, de Matemática, quaaaaaase pegou um bilhetinho meu com desenho de um mini homem musculoso que levava a frase “O professor finalmente virou homem”.

Eu adorava o Laurito, era um dos poucos professores que ensinava Matemática com letra linda na lousa. Era old school total, gente fina. A galera o zoava TANTO na sala de aula, e ele sempre quieto… Quando explodiu, achei que foi uma atitude tardia, mas super ‘macha’.

Acontece que o bilhete caiu no chão, a Su pegou e levou a bronca. Ficou vermelha, os olhos encheram d’água, mas ela nunca disse a ele quem era autora daquele ‘absurdo’. Fiéis, sempre fomos muito fiéis uma à outra.

Eu tinha pânico de ir lá na frente da turma toda pra fazer qualquer tipo de apresentação oral. Mas chegou o dia de falar sobre o corpo humano. Eu tinha um discurso pronto sobre os rins, deixei o papel amassado e molhado de tanto choro em cima da carteira antes de ir lá pra frente e gaguejar… Adivinha quem escondeu o papel e depois me ajudou a estudar pra falar dos ossos do corpo, no próximo trabalho? Ela que me inspirou: fez uma apresentação brilhante sobre braço, antebraço e ombro. Lembro como se fosse hoje. Foi ali que aprendi que ter uma linguagem corporal mais dinâmica é TUDO.

Criada numa família bem religiosa, Susana sempre foi mais contida. Eu, de família grande italianada, sempre falei mais alto e sempre falei mais. Na adolescência nossas diferenças se multiplicaram: ela escolheu magistério, e eu queria passar no vestibular de química na USP. Até hoje não sei de onde tirei essa ideia… (tá, vai, passei para a 2ª fase do vestibular. Mas fiquei nela. Ufa, ainda bem).

Sempre estivemos presentes, de alguma forma, uma na vida da outra.

A filha da Dona Elza e do Sr. Waldemar nunca envelheceu nos meus sonhos: ela sempre aparece como era antes de fazer as ‘não sei quantas muitas’ cirurgias para curar uma doença chata, feia e boba que atacou a gengiva daquela boca de onde nunca ouvi sair um palavrãozinho sequer.

Nessa época, eu realmente não sei se eu ESTIVE LÁ sempre que pude. Mas, todas as vezes em que estive, era uma pessoa inteira, que xingava muito o Universo por ter deixado minha melhor amiga da escola ter um câncer que só gente velha tem.

(Como assim? Ela sempre foi a menina mais linda da escola, a mais comportada e a minha amiga mais inteligente… Tinha algo errado nessa fórmula). APRENDI MUITO COM AQUILO TUDO.

Ela nunca questionou as razões daquele infortúnio. Pelo menos não pra mim, e olha que perguntar sempre foi meu TOC – vai ver por isso larguei o Bico de Bunsen, o Balão de Erlenmeyer e esqueci de vez a Tabela Periódica. Perguntar, ouvir a resposta, questionar e marcar no papel com caneta sempre foram meu forte.

Susana aguentou muita coisa calada e também ensinou muita coisa durante essa fase pedregulho pra muita gente. Para mim, talvez a mais significante foi a de ver a beleza nas coisas simples. E de entender por que depois das sessões de radioterapia não dá vontade de comer carne.

Telefonei para dar os parabéns pra Susana. Faz mais de 35 anos que dou os parabéns pra ela.

Não precisamos de Orkut, Facebook nem busca no Google para nos acharmos. A verdade é que nunca nos perdemos.

Eu ainda tenho vontade de ter uma casa i-g-u-a-l-z-i-n-h-a à dela na infância: com aquele jardim de inverno antes da cozinha, o quintal com a bananeira gigante e um cachorro no quintal.

Tem amizade que é para vida inteira. Fazemos questão de ouvir a voz uma da outra, ainda que seja só duas vezes ao ano: no meu aniversário e no dela. É aquele momento de voltamos no tempo, como se ela ainda segurasse minha mão na hora do recreio e ficasse comigo na fila da cantina esperando pra comer o pão com molho da Tia Emília.

É sempre bom ouvir a voz da Su de novo. Combinamos aquele café, mas eu sei que, mesmo que não role o encontro, ela vai me ligar no dia 16 de agosto.

Porque ela é a minha primeira e melhor amiga da escola.