Poucas coisas me despertam mais o senso de urgência que sirene de ambulância.
Posso estar na avenida mais congestionada, no pior dia, com o mais terrível dos humores. Ouço a sirene, é como se virasse aquela chave da humanidade em mim: “Tem alguém passando mal! Deixa eu sair logo da frente”.
Aí eu fico pensando que essas coisas são óbvias para todo mundo. Até que olho ao meu redor, e as pessoas parecem estar alienadas demais pra se importar com aquela sirene ensurdecedora.
O problema não é o barulho externo, é o interno.
A sirene da ambulância me faz pensar que algo terrível está acontecendo com alguém, e que dentro daquele veículo branco há pelo menos três ou mais pessoas agoniadas.
Sim, pessoas agoniadas. Não com a falta de dinheiro, não com a baixa autoestima, não com mimimis de Facebook. Agoniadas com a vida. Lidando, talvez, com um dos piores de seus dias!
Uma das pessoas que está ali dentro é o abnegado motorista, um cara que ganha a vida nessa pressão. Ele não tem apenas que cumprir horário, como você e eu. Ele tem que entregar no hospital alguém vivo, o mais rápido possível, e ainda lutar contra uma das piores desgraças da humanidade: o trânsito.
A outra pessoa é a vítima, o paciente, o acidentado, o doente. Alguém que seguramente está sofrendo, talvez com extrema dor, sabe-se lá se consciente. Uma ambulância não transporta alguém que tem condições de pegar um busão pro hospital mais próximo, amigo. Ambulância leva gente com risco de morte. Por isso a sirene!
Uma possível terceira pessoa é o médico ou profissional que acompanha o processo todo. Está lá para cuidar, para exercer sua profissão e precisa administrar não apenas os sinais vitais do paciente, mas também a sua própria ansiedade – além dos solavancos do caminho. E, claro, da possível sensação de frustração quando tudo dá errado e a pessoa morre no caminho – coisa que, desconfio, não deve ser tão incomum assim.
Talvez haja ainda uma quarta pessoa, que pode estar do lado de dentro ou de fora da ambulância: o acompanhante. Alguém desesperado e impotente. Uma pessoa que está vendo outra sofrer e não pode fazer absolutamente nada a não ser ficar perto. Se está fora da ambulância, talvez conduza um carro e tente loucamente grudar na traseira da dita cuja, aproveitando a abertura dos caminhos para chegar o mais rápido possível no hospital. Talvez aquele motorista afobado tenha a esperança de dar aquela última olhada na pessoa querida antes da internação ou dos cuidados necessários. Pode ser que a pressa não seja de alguém inconsequente, e sim de alguém em extremo sofrimento, também.
E, então, lá está aquele sujeito distraído, no carro à frente da ambulância, com o som alto, nem aí pra agonia alheia. E ali permanece aquela mulher vaidosa, preocupadíssima com o rímel a ser retocado agora que o semáforo está vermelho. E, mais à frente, continua o infeliz desgraçado jogando Candy Crush no celular.
Eu tenho vontade de sair gritando e batendo na lataria de todos os carros que estão à minha frente: DÁ PRA DAR LICENÇA? NÃO TÁ VENDO QUE TEM AMBULÂNCIA QUERENDO PASSAR?
Que tipo de animal insensível não entende a urgência de uma ambulância?
Joga o carro pra cima da guia, se for necessário, meu amigo! Buzina, passa sinal vermelho, encosta no carro do lado, não interessa. Ali atrás tem uma VIDA precisando de atendimento urgente. (Porque se não fosse urgente, a sirene não estaria ligada, certo?).
Fico pensando que, talvez, quem não entenda esse senso de urgência nunca tenha precisado de uma ambulância. Ou nunca tenha presenciado o desespero de ter uma pessoa querida ali dentro, com a indescritível pressa gerada pela iminência da morte.
Desafio você a imaginar-se ali dentro, da próxima vez que ouvir uma sirene. Ou pensar como seria se aquela pessoa que você mais ama estivesse na ambulância e precisasse chegar depressa no hospital. Muda a perspectiva, né?
Não tem muita ciência aqui não, sabe? Só sensibilidade e empatia. Ah, e um mínimo de noção. Mas, se você dirige e passou pelo Psicotécnico, isso é tranquilo para você, certo?
Então, pelo amor de quem quer que você ame, apenas saia da frente da ambulância.
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