Hoje as selfies da minha timeline deram espaço para polarizações: os contra e os a favor do aborto.

O assunto esquentou depois da decisão da primeira turma do STF (Supremo Tribunal Federal), que não legalizou o aborto, mas abriu uma discussão sobre a criminalização do procedimento.

Em 2015, eu estabeleci como meta pessoal que julgaria menos e me colocaria mais no lugar dos outros.

Por isso, eu juro que, mesmo não sendo mãe, consigo entender pessoas que tiveram filhos quando planejaram se perguntarem como uma mulher pode querer interromper uma gravidez. Porém, entendo também que há muitos clichês em torno do assunto e deveríamos conversar sobre.

“Você é a favor do aborto?”, você deve estar perguntando. Calma. Vamos por partes.

A primeira coisa que tem de ser dita é que dificilmente alguém é a favor do aborto, e sim contra a criminalização. Eu sugiro até que essa pergunta seja reformulada. Eu questionaria: “Você é a favor de a mulher ser presa porque decidiu interromper a gravidez?”. Em 2014, dezenas de mulheres foram algemadas à cama do hospital, denunciadas pelo próprio médico a quem elas pediram ajuda.

“Elas deveriam se prevenir, para não ter que passar por isso”.

Eu também li muito isso no Face. É verdade, deveriam mesmo.

Mas a gente tem que considerar que há histórias de vidas muito mais complexas do que a nossa.

Por exemplo, há mulheres que sofrem violência dentro de casa e não conseguem negociar com o marido o sexo com camisinha. Há outras também que não têm informação sobre planejamento reprodutivo.

Tenho plena convicção que a maternidade é maravilhosa para quem a desejou, planejou e postou fotos do exame de farmácia positivo no Instagram. Mas para a mulher sem condição emocional, financeira ou familiar para ter um filho, o cenário é outro.

“Mas se não tivesse a lei, elas abortariam loucamente”, você me diria. Olha, eu preciso te falar que este futuro do pretérito do verbo abortar tem que ser revisto. As mulheres já abortam. Muito.

Em 2010, 2.002 mulheres alfabetizadas, entre 18 e 39 anos, foram entrevistadas para a Pesquisa Nacional de Aborto – uma parceria do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero com a Universidade de Brasília. A PNA indica que o aborto é tão comum no Brasil que, ao completar 40 anos, mais de uma em cada cinco mulheres já fez. Um outro estudo, de 2013, apontou que cerca de 850 mil abortos são realizados por ano no Brasil.

Para mim, descriminalizar o aborto não significa levantar uma bandeira contra a vida. Pelo contrário, a mudança da lei é para impedir que as mulheres morram por isso. O aborto é umas das principais causas de mortalidade materna.

É um problema de saúde pública, porque mesmo sendo ilegal aqui, é muito praticado. Contudo, quem tem dinheiro para bancar um procedimento clandestino, porém seguro (com médico, instrumentos esterilizados coisa e tal), passa por isso sem grandes traumas físicos.

Já algumas mulheres pobres se viram como podem: introduzem uma agulha de tricô na vagina e dão o start a uma infecção que leva ao abortamento e a complicações graves no corpo. Elas alimentam essas tristes estatísticas. Por isso, dizer que você é contra o aborto, porque é a favor da vida, não é exatamente coerente.

Claro, seria preciso achar um molde para o procedimento não ser feito indiscriminadamente. Mas, na real, nem acho que isso aconteceria. Não imagino uma mulher no mundo decidindo engravidar de alguém para usufruir do benefício do aborto, um procedimento que causa um abalo psicológico imenso. Lembra do depoimento da Astrid? Tem também um documentário ótimo sobre o assunto.

Os pesquisadores dizem que em países em que o aborto foi legalizado, os procedimentos diminuíram a cada ano. A explicação é que, quando a mulher chega até o médico para realizar o aborto, eles podem conversar com ela, orientá-la. É quando eles descobrem se ela está usando contraceptivo (e usando certo) ou se sofrem violência doméstica, por exemplo. Na ilegalidade, perde-se a chance de ajudar essas mulheres com informação e no planejamento familiar.

Aquela minha meta do ano passado me fez entender que nem sempre concordamos com a atitude dos outros, mas isso não invalida as razões pessoais de cada um para agir.

E você, o que pensa sobre isso?