Existem alguns lugares-comuns de escrita que devem ser evitados a todo custo para não comprometer a originalidade de um texto. Um deles é o de introduzir uma redação com a expressão “segundo o dicionário tal…” para anteceder a definição de uma palavra e, por consequência, o tema a ser desenvolvido. Por exemplo, “Segundo o dicionário Aurélio, relacionamento é a capacidade, em maior ou menor grau, de relacionar-se, conviver ou comunicar-se com os seus semelhantes”.

Uma vez que fugi do tal clichê na introdução, sinto-me mais confortável para recorrer ao dicionário Aurélio e informar a definição da palavra “pivô”, que você deve ter ouvido muito nos últimos dias:

  1. Odont. Suporte que penetra na raiz de dente artificial.
  2. Fig. Sustentáculo, base, suporte.
  3. Fig. Agente principal: o pivô do crime

Repare que nenhuma das definições acima diz “agente destruidor de lares que se intromete em um relacionamento saudável e seduz uma pessoa ingênua”.

O que me leva a perguntar: por que raios as pessoas insistem eleger um “pivô da separação” para justificar o fracasso de uma relação a dois?

Sim, estou falando de Brangelina. Mas também de Bonner e Fátima, de Chimbinha e Joelma, de Ben Affleck e Jennifer Garner. De Paola Oliveira. De Isis Valverde. De Marion Cotillard. E daquela sua prima, vizinha ou amiga.

É mais ou menos assim: duas pessoas são casadas. Em determinado momento, o casamento desanda, corre ladeira abaixo, desgasta, rola a traição. Entra no jogo uma terceira pessoa que não fez votos de fidelidade. Quando tudo vem à tona, a culpa recai sobrem quem? Sobre o comprometido, né? Não na lógica atual. O culpado é sempre quem está FORA da relação.

Vou além: a culpada é sempre uma mulher. Faça o teste: jogue “pivô da separação” no Google e veja quantos homens aparecem no resultado da busca.

E a gente nem precisa falar só sobre celebridade. Pense em quantas histórias de anônimos você ouviu cujo título da notícia poderia ser “Mulher rouba o boy da outra”.

Nas chamadas dos veículos de celebridades e nos grupos de WhatsApp, o pivô da separação raramente é o homem que traiu. Ou o prazo de validade vencido da relação (manter tesão, parceria e amor por anos não é para qualquer um). É uma constatação louca, porque não só ignora a complexidade dos relacionamentos longos, como joga para a mulher uma responsabilidade que não é (só) dela. Sobra até para a esposa (a outra mulher) que, claramente, “não soube segurar o marido”.

Um ano atrás o Think Olga fez um post no Face ironizando algumas chamadas de revistas e despertou atenção para o tema. Contudo, a julgar pela repercussão do fim do casamento de Angelina Jolie e Brad Pitt, ainda há muito o que transformar na maneira como enxergamos a mulher. E também os relacionamentos.

A mudança pode começar por mim e por você. Primeiro, com informação – porque ninguém nasce sabendo. Segundo, com sororidade. Conhece esse conceito de solidariedade entre mulheres? É uma palavra diferentona para dizer “miga, tamo juntas”. Esqueça “as inimigas”, “o beijinho no ombro”, “o recalque”.

Delete a ideia de que mulher é rival. Tem mina que não vale nada, mas tem muita mina que vale demais. Idem no que diz respeito aos homens. Vamos parar de generalizar?

E, por favor, vamos acabar com essa história de o “pivô da separação”?

Pivô é dente. Pivô é posição de basquete.

Pivô só não pode ser mais uma forma de difamar a mulher ou de encobrir a verdade sobre os relacionamentos: eles podem acabar nas melhores famílias, telejornais, novelas e filmes.