Com 14 anos, eu não tinha ideia do que significava “platônico”.
Mas eu amava um garoto bem desse jeito aí.
Seus olhos eram criptonitas que me faziam perder a fala, corar as bochechas e bambear as pernas.
Ah, ele povoava meus sonhos.
Uma onda perfumada de colônia invadia qualquer ambiente, antes mesmo de sua chegada. Ele está aqui! Gritinhos mentais de descontrole.
Passava horas observando tudo que o garoto fazia. Como era charmoso seu jeito de mexer no cabelo enquanto conversava. Com outras pessoas, claro, porque eu é que não tinha a menor coragem de me aproximar.
Porém, estava certa de que o amava.
Ainda que nunca tivéssemos trocado palavras.
Tinha certeza que eram pra mim aqueles olhares que buscavam cumplicidade em meio à multidão. Mesmo depois de descobrir que rolava uma hipermetropia ali. Meu coração adolescente era tooodo esperança.
A primeira vez que “conversamos” foi especialmente inesquecível. Num ato impulsivo e com simpatia fora do normal, perguntei-lhe qual era mesmo o nome daquele jogo de tabuleiro que disputamos, em galera, uma vez.
– Interpol – respondeu, depois de franzir um pouco a testa e direcionar o olhar para algum pensamento que lhe surgiu no canto superior direito da imaginação.
“Interpol-ol-ol-ol”. Aquela voz ecoou em minha memória por semanas.
Sarneei minha mãe até ela comprar o tal jogo. Fantasiava trocar experiências picantes com meu amor a respeito de quão desafiador era ser o Mister X, o fugitivo procurado no tabuleiro pela Interpol-ol-ol-ol.
Queria contar-lhe minhas manobras inteligentíssimas de jogo que envolviam tomar dois metrôs seguidos de um ônibus, despistando, assim, todos os meus perseguidores. Ele me admiraria, diria que sua estratégia de fuga tinha sido parecida. Sorriríamos e nos beijaríamos, no melhor estilo “Sr. e Sra. Smith” (filme que ainda nem tinha sido lançado na década de 90, mas serviu para você entender o quão… hm… “cúmplice” seria o beijo).
Pra ajudar – ou não –, o pai dele me chamava de norinha (pois é, nossas famílias se conheciam e conviviam dominicalmente, na igreja). A real é que ele devia dizer isso a todas as meninas de mais ou menos 14 anos que lhe apareciam por perto, só por diversão. Coisa de pai coruja. Mas eu achava que todo aquele discurso altamente tendencioso era só pra mim, claro: “Oi, norinha! E aí, o que você acha do meu filho? Ele vai fazer 16 anos, toca saxofone, é inteligente, bonito…”.
Parei na história do saxofone. Oi? Ele toca sax?
Aquela era pra quebrar tudo.
Dissolver o coração.
Virei a louca do Kenny G. Passava horas idealizando as serenatas que ele faria em minha sacada imaginária. Chorava com Toni Braxton. How could an angel break my heart?
Por dois intermináveis anos, sofri.
O garoto ainda tava no esquema escola-cinema-clube-televisão.
Fui percebendo que aquele romance idealizado não tinha cara de se concretizar. Mas coração apaixonado é bobo.
Disse “não” a outros garotos bem interessantinhos por pura e cega fidelidade ao meu amor platônico. E, assim, descobri o que essa palavra nova significava: pior que amor não correspondido, amor ignorado.
Aqueles olhares não eram pra mim. Os mais de cinco graus de hipermetropia dificultavam que o garoto visse qualquer coisa à distância. Para ele, eu não passava de um ponto desfocado no horizonte.
Pensei que talvez eu não estivesse sendo enfática o suficiente. Ou que ele fosse gay. Torcendo pela primeira hipótese, resolvi partir pro tudo ou nada.
A oportunidade chegou quando tirei seu nome num amigo-secreto. Uma prima precisou me abanar. Que objeto seria suficiente para dizer tudo o que eu sentia por aquele garoto?
Tenho vergonha de contar que dei um espelho. (Não ria! Ei, eu disse NÃO ria). Meu coração puro e adolescente queria que ele soubesse que não havia nada mais bonito. Devo até ter escrito isso num bilhete – e depois morrido de arrependimento, lógico.
O que ele interpretou? Que eu o achava metido. Que ele tinha mais é que se enxergar. A autoestima de quem usa óculos desde cedo é uma desgraça. Fué fué fuéééé. Planos arruinados.
Até que, de repente, integrávamos a mesma banda (na qual eu tentava tocar teclado em vez de babar no sax). Ali, as coisas começaram a mudar. Passamos a conviver, de fato. Eu podia ouvi-lo, interagir com ele, constatar se aqueles olhos verdes eram mesmo tudo aquilo que eu idealizava (eram mais!). E ele tinha a chance de observar como minhas pernas eram bonitas eu era de verdade: inteligente, divertida, maravilhosa, modesta…
Muitos anos se passaram, e não é que comemoramos hoje nosso 17º aniversário de namoro?
Se não rolar uma serenata de sax, vou ficar chateada? Vou.
Mas já entendi: o que me faz morrer de amores por esse ser irritante é que ele me conquista a cada dia – muitas vezes sem nem saber.
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