O que diriam no seu funeral, caso morresse hoje?
Tenso, o tema, sim. Vida longa e próspera é o que a maioria de nós deseja.
Morte súbita? Só acontece com o vizinho.
Ainda não estou na idade de morrer.
– Ele era tão… tão… tão jovem, não é?
Quando me peguei pensando no que as pessoas diriam no meu funeral, se acontecesse hoje, tive sérias dúvidas. Não sobre o que sou, mas sobre o que tenho deixado ecoar da minha existência.
“Que mal resolvida!”.
“Aff, credo, detesto esse climão fúnebre”.
“Papo besta”.
Convido você, que pensou uma dessas coisas, a fazer uma autoanálise comigo. Agora.
Você se considera uma pessoa de bem.
Você se policia nos comentários do Facebook para não arrumar problema com muita gente.
Passa tempo com a família, tem várias fotos pra provar.
Cuida direitinho do cachorro, enquanto corre usando o app da Nike+ Training Club.
De vez em quando, faz até uma boa ação: doa 1 real pro Hospital do Câncer no Mc Donalds, abre mão do CPF na nota fiscal para colaborar com o Starbucks Foundation, pega dois nomes de crianças órfãs para montar uma sacolinha de Natal e posta fotos com elas no Instagram.
Você também faz check-in diário na firma, trabalha duro para sustentar a molecada.
Sempre que dá tempo, manda uns vídeos no Whats dos amigos.
Tanta coisa, você faz.
Mas, veja só, que curioso: tudo o que você faz – e não apenas o que posta ou comenta que faz – serve para definir quem você é.
Suas ações – muito mais que seu belo discurso – é que balizam a percepção do outro sobre sua existência. Tanto as boas ações, que automaticamente vêm à sua mente, quanto as menos favoráveis.
É…
Quiçá você não tenha se lembrado de mencionar na análise acima, mas você comete alguns deslizes. E, esses, acaba se esquecendo de publicar nas redes sociais. Também, essa vida corrida…
Você talvez já tenha dito que tem candidato quando estava sem paciência para pegar mais um folheto infernal do partido X.
Você possivelmente já gastou boa parte das horas em família dando atenção ao seu celular.
Pode ser que você se lembre de alguns amigos apenas quando precisa deles.
A vida vai passando e você sequer cogita voltar a falar com aquela pessoa que ofendeu seu impecável caráter.
Se bem que seu nome não está exatamente limpo na praça.
Você defende a justiça social, e só usa carteirinha de estudante falsa porque o valor dos ingressos é um absurdo.
Você acelera o passo bruscamente quando a porta do metrô está para fechar, e aquela velhinha manca atrapalha sua passagem. A bolsa dela está entreaberta, mas, se parar para avisar, vai ter de esperar pelo próximo. E, não, você não tem 15 minutos de vida para desperdiçar.
Que tipo de som ecoa da minha existência?
– Ah, ela tinha bom coração.
– Deixou uma filhinha tão pequena, mal teve tempo de cuidar dela…
– Como trabalhava! Tão competente!
– Era hilária, sempre me fez rir, vai fazer muita falta.
De todos os possíveis mimimis politicamente corretos que possam dizer no meu funeral, se pudesse escolher (e desconfio que isso esteja mais em minhas mãos do que imagino), optaria por algo assim:
– Ela tinha um discurso coerente com suas ações.
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