A vida nem sempre é favorável.
Esperamos pelo melhor, mas, no fundo, sempre há no ser humano a consciência de que existe uma chance (remota ou não) de que determinada coisa não dê certo. Que termine de maneira diferente à que imaginávamos. Que contrarie o que gostaríamos.
A criança não sabe disso. Quer tudo do seu jeito.
É natural. Está descobrindo o mundo. Tem suas necessidades e também vontades saciadas sem esforço, como se tudo girasse ao seu redor.
Acontece que crescer dói.
Não só porque os dentes de leite rompem a carne das gengivas e provocam extremo incômodo nos bebês. Não só porque pernas e braços vão parar na quina de batentes de porta no estirão da adolescência. Não só porque corações são destroçados em plena efervescência hormonal da juventude.
Crescer dói porque nos damos conta de que existe o “não”.
O não-conforto, o não-controle, o não-esperado, o não-amor.
Percebemos que nosso umbigo NÃO é o centro do universo. E, aqui, entra o papel fundamental dos pais e educadores de guiar a criança, orientá-la, fazê-la perceber o coletivo.
Agora tenho que dividir meu brinquedo, pensa a criança. Percebe que a mãe que era “só dela” também exerce outros papéis: esposa, filha, profissional, tia, amiga. Que coisa incômoda!
Pouco a pouco, se bem acompanhada e educada, vai se formando uma casquinha na tal ferida. A criança aprende que o “não” também é resposta.
No entanto, se o pai ou a mãe se culpam pela ausência – ou por N fatores que podem ser colocados aqui –, podem tentar compensar sua falta com atitudes permissivas.
Quer doce fora de hora? Toma. Quer ver desenho até tarde? Tudo bem, vai. Bateu no coleguinha? Ah, coisa de criança. E, então, a vida continua favorável.
O pequeno ser humano em formação está aprendendo que viver em comunidade é fácil e indolor. Que com um pouquinho de birra e choro, quando necessário, tudo se alcança.
Se a criança não é ensinada a tempo que não obterá sempre tudo o que deseja – e com certeza especialistas em Psicopedagogia poderiam me ajudar a esclarecer esses limites de aprendizado, se é que existem –, corre o risco de se tornar uma abominável criança mimada e um adulto emocionalmente frágil.
Se – pior – um coletivo de crianças de determinada época histórica não é ensinado que não obterá sempre tudo o que deseja, poderá surgir uma geração ansiosa e marcada pela incompetência emocional.
Opa. Péra. E não é esse cenário parecido com o que vivemos hoje?
Em épocas antigas, a disciplina familiar era extremamente rígida. Já ouvi histórias horripilantes de educação repressiva, permeada pela ameaça, cerceada pelo medo. No entanto, igualmente desesperadores são os lares de hoje em que a criança manda nos pais e dita as regras familiares como bem entender – ou melhor, mesmo sem entender.
Se hoje a democracia é bem-vinda no lar, deveria imperar também ali o respeito à autoridade dos pais.
A criança precisa de limites, de normas, de exemplos.
Assim, quando crescer, estará apta a tomar suas próprias decisões e a suportar as consequências de suas escolhas de forma madura e estável – sejam elas boas ou ruins.
Antigamente, depois de tomar um pé na bunda, o adolescente chorava, se trancava no quarto ouvindo Bon Jovi, e tudo bem. Sobrevivia. Vejo hoje meninos e meninas se ferindo por muito menos que uma desilusão amorosa. Cresce espantosamente o número de suicídios e a depressão corre solta em todas as faixas etárias. Estamos nos tornando incapazes de suportar a frustração sem nos autodestruir!
Por que o ser humano, já adulto, se frustra?
A frustração vem da não concretização de um cenário que se idealizou.
Ouvir um rotundo “não” quando se esperava a resposta positiva é uma tragédia em qualquer nível.
No entanto, se a criança obteve amor, mas entendeu que “não” também é resposta, consegue aceitar melhor as contrariedades tão normais desta vida.
Vamos falar de expectativas.
Há quem prefira ser pessimista – e, então, qualquer “meio-sim” já lhe parecerá lucro.
Por outro lado, para alguém debilitado, o “não” pode ser a gota d´água.
A criança que aprendeu a esperar tem chances de lidar muito melhor com a frustração.
Esses dias, fui surpreendida por minha filha de 2 anos, que entendeu que o bolo só ficaria pronto dali a alguns minutos. É claro que, como criança, queria comê-lo imediatamente após me ajudar a misturar todos os ingredientes. Ensinei-lhe, porém, não sem algum custo, que a massa precisava cozinhar, e que isso levava tempo. Ela precisaria esperar o ponteiro do relógio andar umas casinhas pra frente.
Ficamos atentas. O alarme disparou depois de trinta minutos e, enquanto isso, nos distraímos com qualquer brincadeira. De vez em quando, dávamos uma olhadinha no forno: bolo crescendo, processo em andamento. Seguramente, ela vibrou muito mais com o ato de esperar do que com o de comer o bendito bolo!
Atualmente, temos tudo muito pronto, muito instantâneo. Lembrei-me da primeira vez que, adolescente, usei o micro-ondas. Foi quase mágico obter minha comida quentinha em 1 minuto. Hoje, se o celular leva mais de 10 segundos para abrir um aplicativo, cá estou eu, impaciente.
Resiliência se aprende e se exercita.
O problema é que o treinamento começa com o “não” que detestamos ouvir.
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