Não sei se você é do time que gosta, mas tenho certeza de que, a essa altura da vida, o cheirinho de café tem muito mais conexões do que simplesmente o fato de ser um “aroma no ar” ou uma bebida amarga.
O fato é que ele provavelmente já virou sinônimo de “acordar na casa dos pais”, “fim do almoço na casa da avó”, “conversa informal com o chefe” ou “momento só meu para desestressar”.
O cafezinho faz parte de muitas rotinas e acaba sendo um ato mecânico, repetido sem atenção (ainda que cheio de significados). E não é para ser diferente. A bebida é também muito informal. Ainda bem.
Mas o que eu vou propor aqui é um exercício que pode mudar a sua vida, caso você goste um pouquinho de café.
Claro que não fui eu quem inventou essa técnica. Na verdade, aprendi-a num curso de barista júnior que fiz há algum tempo atrás, lá no Coffee Lab da Vila Madalena. Mas acho que a reprodução não causa grandes problemas, pelo contrário, é tudo o que qualquer apaixonado por café pode desejar que aconteça com os outros. Aliás, é até divertido ver a reação das pessoas e o impacto que isso pode ter na vida delas. Sério.
Vamos ao que interessa. Pegue aquele café moído que você (ou até a sua mãe) costuma comprar no mercado (aquele Pi… ou o Trê… ou ainda o Me…). Imagino que você tenha esse café como um dos mais gostosos do mundo na sua vida, cheio de memórias afetivas, de momentos, de gostinho, de cheirinho bom. Minha mãe sempre dizia que “café bom é café extra forte!”. Reserve.
O exercício começa com a sua ida a um mercado bacaninha (sugiro Pão de Açúcar, Bom Marché, um empório gourmet ou mercadinho chique de bairro, porque eles costumam ter boas opções de café). E, prepare o bolso: ao contrário dos cafés acima semi-citados, estes aqui do exercício costumam custar mais caro. Algumas vezes, muito mais caro. Nesse caso, pode chamar um amigo ou a sua mãe para participar do exercício, e rachar a conta.
Você pode comprar um único pó, mas a brincadeira fica mais legal se comprar mais de um tipo. Para começar, foque em um só (seu bolso agradece).
Escolha um café que esteja classificado como “Especial” (ideal) ou “Gourmet (nessa ordem de preferência, depois explico o porquê), mas tem que ser “100% arábica”.
Quer sugestões? Octávio Café, Suplicy, Astro, Santo Grão, Bravo Café, Café do Centro.
Mas tem que ser moído (porque deduzo que você ainda não terá um moedor de café em casa). Não reclame do preço. Faz parte do exercício.
Escolha 2 xícaras de café idênticas e, na parte de baixo de cada uma, cole uma fita crepe com o nome dos cafés que comprou. Coloque uma colher de café bem cheia com o pó dentro de cada.
Comece pelo café normal, que você usa. Cheire e anote tudo o que sentiu num papel. O cheiro é bom? Você gosta? Lembra alguma coisa (por mais maluca que seja essa coisa)? Dê-lhe uma nota.
Respire um pouco. Conte até dez. Vamos para a segunda xícara: a do café caro que eu sugeri que comprasse. Faça o mesmo: cheire e anote tudo o que sentiu num papel. O cheiro é bom? Você gosta? Lembra alguma coisa? Dê-lhe uma nota.
Agora pegue novamente a primeira xícara e volte a cheirar. E aí? Me conte aqui nos comentários o que achou. Era isso que eu queria dizer, mas não tinha como explicar sem você fazer esse exercício.
***SPOILER
: a partir daqui, estrago a surpresa. Então, se você quer viver tudo isso (e eu acho que vale muito a pena), pare, faça o exercício, depois volte para ler o resto.
O primeiro café, daquelas marcas que eu semi-comentei, são cafés ainda considerados bons pela ABIC. Mas, geralmente, são de café do tipo robusta, a versão mais popular no Brasil, de qualidade inferior. Como o brasileiro gosta de café forte, muitas vezes acabam torrando além do que seria ideal, deixando o café quase carbonizado (e, com isso, perdendo muitos dos óleos naturais que a frutinha do café tem e que o deixam com o gosto e o cheiro que você sentiu depois). Além disso, o nível de impurezas é maior, geralmente, nesse tipo de café.
O segundo café provavelmente é um grão 100% arábica (se você seguiu as sugestões). Portanto, um grão mais nobre, com uma torra mais dentro do que se considera boa, ainda que também seja forte e bem torradinha. O grau de pureza e perfeição dos grãos é muito maior. Um monte de bobagens e chatices para quem não fez o teste e mesmo assim leu essa parte do texto. Mas uma fonte de pistas para o mundo que se abre a quem teve coragem de fazer o teste.
Mas, calma, que não paramos por aí. A maneira como você prepara o café pode mudar completamente o gosto da bebida.
Coado no coador Melitta, Hario ou no coador de pano, por exemplo. Mexendo ou não mexendo o café enquanto ele coa. Servido na xícara grande ou na xícara pequena. Todos esses fatores influenciam completamente o que você vai beber. Não é exagero, basta fazer o teste. Ou melhor, os testes.
O bom é que a experiência continua. Agora eu recomendo que você prepare ambos os cafés no mesmo método. Ferva água filtrada. Quando começar a ferver, desligue o fogo e espere um minutinho antes de colocar a água no café. Prepare os dois cafés da mesma maneira: use o mesmo tipo de xícara, a mesma quantidade de água, e prove. Anote.
Outra possibilidade é comparar café mexido com não mexido (no primeiro, use uma colherzinha para mexer o café enquanto é coado; no segundo, coloque apenas a água e espere a gravidade fazer seu trabalho). Prove e anote.
Depois, faça o teste servindo o mesmo café em duas xícaras diferentes. Prove e anote.
Para evoluir a experiência, compre outros métodos de preparo (expresso, French press, italiano e muitos outros).
Coloque canela em pó, cravo ou especiarias no pó de café para coar. Deguste outros tipos de café, outros tipos de torra, peça para moerem o café na hora para você.
O céu é o limite. Afinal, este foi só o começo da jornada.
Se achar legal, conte sobre sua experiência aqui e compartilhe a ideia com os amigos. Estou curiosa e espero que a sua vida mude tanto quanto a minha, quando a Isabella Raposeiras, do Coffee Lab, fez este exercício com a turma de baristas.
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