Tem coisa mais irritante que criança birrenta?
Confesso que sempre fui daquelas que olha feio para os pais daquelas crianças que se jogam no chão do supermercado fazendo manha. Escândalo é uma coisa horrorosa que ninguém merece presenciar – muito menos pessoas que não fazem ideia de quem seja aquele serzinho gritante e inoportuno.
Meu marido – na época, namorado – e eu concordávamos, categóricos:
– Se fosse nosso filho, faria isso uma vez só. Tomaria uma bronca tão homérica que jamais teria coragem de desacatar nossa autoridade novamente. Muito menos em público. Esses pais devem ter sido mega permissivos e feito as vontades do moleque. Olhaí no que deu: ficou mimado.
E assim seguíamos com nossos discursos xiitas de quem nunca havia sentido na pele o constrangimento de ser o pai ou a mãe a quem se dirigem os olhares de reprovação.
Eu pensava: “Onde já se viu? A vida não é assim”.
Até que fui aprendendo um pouco mais sobre a vida.
Distraí-me.
Quando olhei para o lado, tinha uma filha prestes a completar os terrible two fazendo birra no supermercado.
Estávamos comprando ingredientes para sua festinha de aniversário. Fui a um desses atacados onde se encontram latas de leite condensado gigantes pros docinhos, barquinhas de maionese, guardanapos, copos e pratos descartáveis, essas coisas.
Desde o início da gestação da Bel, mantinha minhas verdades inocentes: minha filha vai ser educada, vai comer de tudo, vai me obedecer e vai respeitar o mundo em que vivemos. E, de fato, ela sempre foi um encanto de menina: flexível, carinhosa, sociável. Mas, aquele dia, o universo quis me ensinar uma lição bem especial:
– Sabe, Cíntia, todas aquelas verdades maravilhosas que você sempre gostou de proferir sobre sua competência como mãe? Observe…
Do nada, parece que virou a chavinha da pré-adolescência precoce da minha filha. Não queria ficar no carrinho. Estava cansada e não tinha dormido direito – assim como eu. “Deve ser fome”, pensei. Passei na padaria. Só porcaria. Peguei um pão de queijo, que era o menos pior. “Num téio!” Claro que não. O que quer que eu oferecesse ela não quereria.
Em um surto de inspiração e paciência, consegui que se distraísse com um conjunto de pratinhos descartáveis de algum personagem da Disney: “olha, Bel, faz de conta que é o volante”. Plim! Como mágica, ela se ocupou e pude rapidamente pegar o que faltava e chegar ao caixa.
“Rá. Tá vendo? Sou muito boa nisso. Contornei a situação com criatividade e amor. Lá está ela brincando feliz com os pratinhos. Quando chegar nossa vez, sumo com o pacote e ela nem vai perceber”.
O que eu não sabia, até então, era que os check-outs dos supermercados são o pesadelo das famílias. Não apenas porque ali se concentram todas as porcarias mastigáveis e tranqueiras comestíveis do universo.
E sim porque é automático: chegou no caixa, forma-se uma arquibancada de críticos especialistas ao seu redor, todos observando minuciosamente como você vai tratar a criança. Se vai perder a paciência, se vai ser permissiva, se vai ser dura demais, se vai ignorar…
A fila é o reduto dos entendidos. Todo mundo tem uma experiência boa para dividir, uma recomendação para compartilhar. Você ganha conselho, recebe exortação. É grátis, senhoras e senhores! Chegou, levou.
Aproveitei a distração da Bel com umas revistinhas de colorir e sumi com o pacote que lhe tinha servido de brinquedo até então.
– Cadê o volante, mamãe?
– Bel, nós já estamos indo embora, você não precisa mais dele. Você viu que bonitinha a menina ali na frente? Dá tchau pra ela! – tentei usar a técnica da mudança de assunto repentina que, até então, havia me garantido quase 90% de eficácia.
– Eu téio o volaaaaaaante. Buááááááááááááá!
Olhei ao meu redor: a arquibancada do terror. Criança chorando cada vez mais ardido. Olhares julgadores. Comentários. Burburinhos. Testas franzidas. Reprovação!
Bééééé! Mãe incompetente no caixa 2!
Não tive dúvidas: corri para pegar aquela dúzia de pratinhos decorados e entregar a ela. Assim que chegamos no carro, a desaforada jogou o pacote do lado e nunca mais quis saber dele. Foram os R$ 26,00 mais bem investidos da minha vida? De certa forma, sim.
Refleti muito sobre minha atitude naquele dia. Por diversas outras vezes, nesses seis meses que já se passaram desde o fatídico dia dos pratinhos, enfrentei situações semelhantes. E fui amadurecendo na maneira de lidar com elas.
Entendi que há momentos ideais para sair com crianças: elas precisam estar minimamente descansadas e alimentadas. Como quero exigir respeito da minha filha se não estou entregando o mesmo a ela?
Hoje não cedo às suas vontades como fiz com os pratinhos, porque entendo que é minha a responsabilidade de ensiná-la a viver, a entender o mundo e o seu funcionamento. Por isso, quando acontece a inevitável birra, não tenho mais o menor problema em tirá-la da fila, afastar-me da arquibancada do terror e, tranquilamente, mostrar-lhe que eu sou adulta e não vou agir como ela. Explicar-lhe que agora não vamos comprar (insira aqui o motivo da birra), e que vou esperar que se acalme para voltarmos à fila e, depois, irmos embora. Fácil? Imagino que concordem comigo: não mesmo. Fácil é julgar.
É claro que, enquanto não passasse por essa experiência, aquela verdade era a única que eu conhecia e, portanto, absoluta: crianças birrentas incomodam.
Hoje sei que mais irritantes são os pais que não respeitam seus filhos.
E, mais ainda, os intolerantes. Quiçá um dia saberão que a vida sempre pode ser mais desafiadora do que rezam suas vãs filosofias.
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