Há dias em que o mar interior de cada um de nós está agitado, turbulento, poluído. Porém, para nossa esperança, sempre há alguém mais humano ou menos atribulado que derrama sobre nós sua gota de amor no dia-a-dia, principalmente no ambiente do trabalho. E fico grata por isso.
Nessa história de que somos produtos do meio, estamos sendo ‘metamorfoseados’ (Franz Kafka me entenderia bem) à condição de seres indiferentes. Será que estamos endurecendo e perdendo a ternura? Será que um dia estaremos realmente preparados para o mundo insensível que nos cerca? Estou começando a ter noites insones de dúvidas.
Sim, sou do time dos sensíveis, e já não vejo mais problemas nisso.
Apesar de todas as benesses da tecnologia e de todas as maravilhas criadas desde a Revolução Industrial, TER foi elevado a um grau de importância maior que SER. Você pode não concordar comigo, caro(a) leitor(a), mas é factual. E, no andar dessa carruagem cronológica, estamos descontruindo relações, perdendo essências intrínsecas à nossa condição humana.
Estamos nos tornando mais impacientes, intolerantes, diabolicozinhos, sem tempo para escutar, com saco zero para o problema do outro. Eu sei, a correria é grande, você deve estar dizendo. Mas, para quem não é? E por que ela o impediria de simplesmente agir com amor?
Nas relações de trabalho é raro ver evaporar uma gota de afeto entre os humanos. Aos mais sensíveis, cabe criar camadas e mais camadas (como as de cebola) para não serem sufocados com aquele nó da garganta diário. E falo aqui das pequenas gotículas que deveriam ser derramadas no decorrer do dia: um gesto cortês, uma gentileza que não seja mera educação, uma escuta genuína, uma ação que nos faça lembrar que somos seres humanos antes der sermos engenheiros, advogados, administradores, jornalistas, psicólogos, professores… Falo da relação de um colega com o outro com olhar humanizado. Não somos máquinas de afazeres. Temos sentimentos, anseios, necessitamos de abraço e de atenção. Hello, cadê o coração?
E, por que não pode haver o afeto por alguém que convive conosco diariamente, com quem perseguimos metas corporativas, dividimos ideias em sessões além da madrugada para aquele ‘brainstorm Eureka’?
Por que temos que nos fechar nas bolhas de nossas camadas cebolentas e fingir que não sentimos nada, que somos imunes ao meio? Não somos imunes. O meio nos molda às circunstâncias.
Eu as enfrento com minha juba leonina e confesso – sem medo de penitência – que me falta o fino trato por várias vezes, mas, tento, na medida do que realmente posso e acredito, seguir a trilha de quem enxerga o mundo com um pouco mais de amor – ainda que a desilusão tenha me dado o ar da ‘des’graça de sua companhia.
Persigo o olhar humano e, embora tenha me deparado mil vezes com olhares em telas de smartphones ou no que a vizinha do lado possui – e o que seria um diálogo vira um monólogo –, continuo em busca daquele brilho no olho de alguém que senta pra bater um papo e falar da vida, olhando dentro dos meus olhos.
Entre um capuccino e outro, gosto daquela conversa sobre as conquistas dos filhos na escola, de saber como foi a consulta com o terapeuta, de ouvir o relato com detalhes das incongruências das próprias escolhas. Procuro a íris do olho humano, de gente que sente e que sabe que é um ser pensante antes de ser plastificado e etiquetado como um produto, apenas. Apenas um produto do meio.
Pessoas sensíveis, avante! De gota em gota criaremos um novo oceano. Quero crer. Somos poucos nessa construção, mas dentro de cada um, e em cada ação, nos tornamos muitos!
Confesso que tenho deixado emergir poucas gotas. Estou apenas me preservando, porque ainda sou aquela tartaruguinha que não sabe muito bem pra onde olhar quando sai da casca.
Devo estar fora de moda. Com meu tênis no lugar do salto, minhas calças largas e meu cabelo de 3 centímetros, estou fora do padrão. Mas continuarei sendo humana e treinando para derramar, a quem mereça, o oceano que há em mim.
E, só por curiosidade, pergunto: quantas gotas de amor você serviu hoje?
Sem Comentário