“Fim de ano é correria”.
(Jura? Pra você também?)
Encontros, confraternizações, happy hours… Pipocam eventos de todas as naturezas e por todos os lados.
De repente, não temos mais finais de semana disponíveis até 2045.
Até a trilha sonora das lojas é mais acelerada que o normal, repare. Músicas com cara de elevador dão lugar a trilhas clássicas com tema natalino que nos atiçam o senso de urgência com seus violinos insistentes e flautins agudésimos. A sensação coletiva é de estar no desenho do Papaléguas. Corra! Ho-ho-ho! Chegou o Natal!
Na hora do almoço, vemos grupos de pessoas trocando lembranças e entregando uns aos outros os sorrisos economizados durante o ano inteiro.
Quiçá nós também estejamos preocupados com o presente de amigo-secreto que teremos que comprar para o colega da firma com quem mal trocamos um par de palavras no último semestre.
Isso se não pagamos R$ 49,90 para o site evitar que a gente tire aquele babaca insuportável do quinto andar. Afinal, a tecnologia serve facilitar nossa vida, não é mesmo? Pouco importa se o valor do amigo secreto é R$ 25,00. Investir o dobro para nos livrar de uma situação desagradável é totalmente necessário e justificável num amigo secreto.
Deviam inventar o “colega-secreto”. Mais apropriado, já que amigo mesmo a gente conta nos dedos. Triste realidade. E o pior é que, nessa sangria desatada de fim de ano, mesmo a esses poucos acabamos não tendo tempo de nos dedicar.
Família? Depois. Precisamos finalizar relatórios anuais importantes para a empresa.
Filhos? Agora não dá, estamos ocupadíssimos com o presente que precisamos comprar pra eles.
Amigos? Ué, sumiram… Devem ter também suas tarefas inadiáveis.
É estranho pensar que negligenciamos aos nossos queridos a presença justamente porque queremos ter recursos para comprar-lhes presentes.
Sim, porque na mesma medida em que nos vemos mais propensos a demonstrar carinho a quem amamos, temos pressa. Como se o mundo – e não apenas o ano – fosse acabar.
Não sobra tempo para o carinho, para o amor, para a presença. Só para ir atrás da lista de presentes ou dos eventos que nos lotam as agendas.
O motivo da pressa? Estão chegando as esperadas festas! Seguidas – para os mais sortudos – das queridas férias. Praia, montanha, sol, vento na cara, churrasco, dormidinha na rede, lagarteio no sofá… Ahhhh, que alegria.
Corremos para descansar. É isso mesmo, produção?
Deixamos que os meses inteirinhos de novembro e dezembro nos escorram pelos dedos para, possivelmente, desfrutarmos dos dois últimos finais de semana do ano ou de uma quinzena de janeiro.
Será que faz sentido “perdemos” tanto tempo acelerados, se não temos sequer a garantia de que estaremos vivos para comer o peru de Natal?
Temos pavor de que as crianças virem porcos-capitalistas-consumistas, mas não gastamos uma hora do nosso dia com elas desenhando um cartão para a vovó. Mais fácil ir ao shopping e deixar que escolham seu próximo objeto plástico de consumo licenciado pela Disney.
Talvez alguns de nós nos surpreendamos quando nossos filhos não quiserem passar o fim de ano em família. Vão viajar com os amigos e, lá sim, encontrarão diversão! Não haveria problema algum nisso, se a motivação da viagem fosse a alegria pela companhia da galera – e não a fuga de um ambiente que não lhes traz boas memórias afetivas.
Que prazer encontram eles na nossa presença? O quanto nos dedicamos a construir boas recordações em família? Será que nós mesmos sabemos valorizar a importância do lar?
Aos amigos, restar-nos-á enviar um spam de “Feliz Natal” via Whats, no dia 24. Depois que tivermos enchido a pança e nada melhor tivermos para fazer ao som do rei Roberto Carlos, claro. São tantas emoções…
Se estamos mais ocupados com os presentes – e não com a presença – talvez seja esse o legado que deixaremos: relações descartáveis como os papéis de presente rasgados pela sala.
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