Aqui vai um alerta aos que infringem leis, desacatam autoridades, colam na prova, subornam e se deixam subornar, fazem carteirinha de estudante falsa, andam pelo acostamento, estacionam em vaga de idoso, corrompem filhos com valores questionáveis, compram carta de motorista, jogam lixo pela janela do carro, furam fila na balada, disseminam piadas machistas “inocentes” em grupos de WhatsApp, prostituem o direito ao voto, colocam à venda a própria ética em troca de favores ilícitos: isso que vocês fazem não tem nada a ver com jeitinho brasileiro.
Tais corrupções diárias que gostamos de chamar de jeitinho brasileiro se encaixam muito melhor no perfil do Brasileiro Cuzão Médio, como bem descreveu Carolina Garofani.
Talvez de forma mais generalizada do que deveria ser, mas igualmente válida para reflexão, a autora retrata em seu texto atitudes egoístas que você e eu já vimos por aí – das quais só conseguimos ter vergonha (alheia ou própria, porque vai saber…).
Então você provavelmente já ouviu falar do tal jeitinho brasileiro.
Está meio que impregnado em nossas mentes que ele, de alguma forma, tem a ver com malandragem.
Sabe do que estou falando, não sabe?
Daquela ginga, daquela malemolência, daquela marra, daquela malícia…
Se tivéssemos que personificar o jeitinho brasileiro, seria um malaco boa pinta que sempre se livra de enrascadas:
— Não pode estacionar aqui, ô, malandro.
— Mas eu vim protestar contra a corrupção.
— Belê, patrão. Por 10 conto eu finjo que não vi.
O estereótipo escroto do jeitinho brasileiro pensaria: e daí que minha atitude é moralmente condenável?
É por uma boa causa: a minha própria.
“Os político rouba nóis na cara larga e eu não posso fazê meus córre?”
E, assim, vamos nós fugindo da regra que funciona para todos porque somos amigos do delegado. Vamos obtendo benefícios pessoais através de descarada malandragem. Vamos usando meios ilícitos para obter recursos. Vamos sonegando impostos porque neste país é impossível sobreviver como empresário sem caixa 2. Vamos violando normais sociais porque ninguém é de ferro. E vamos reclamando dos “delinquentes” das ruas e dos congressos, esquecendo-nos de nossas delinquências justificáveis de cada dia.
Vemos tanto chefe, diretor, dono, patrão, governante “podendo” passar por cima das leis, porque eles as endossaram, que nos sentimos indignados. E com razão!
Mas, péra.
Essa indignação deveria justificar nosso desvio ético? Não estaríamos nós sendo igualmente incorretos?
Ou será que não devolver o troco que veio errado na padoca é um ato menos corrupto que desviar dinheiro público para contas na Suíça ou esconder umas doletas na cueca?
Otário é quem se submete às leis. Quem paga corretamente os impostos. Quem contrata no regime CLT com todos os direitos aos funcionários. Quem educa os filhos a esperarem sua vez. Quem empresta. Quem doa. Quem recicla.
Definitivamente, essa é uma visão que precisamos ultrapassar.
Uma nova perspectiva para o jeitinho brasileiro
Esse dark side do jeitinho brasileiro descrito acima é algo que me intriga.
Gosto de pensar nele como algo bem diferente de uma imagem corrupta.
Jeitinho brasileiro tem a ver com garra, suor e criatividade; e não com transgressão do que é certo.
“Ah, mas o que é certo depende muito de quem interpreta”.
Tá bom, evitemos picuinhas.
Quando falo de certo e errado estou falando de senso de coletividade. De convívio social. De humanidade. De respeito ao coleguinha.
Combinado? Sigamos.
Jeitinho brasileiro deveria ser uma característica tão mais simpática e positiva!
Ela soa tão bem como sinônimo de criatividade e de improviso: uma habilidade sem igual para resolução de problemas.
Não seria muito mais bacana assim?
Por que não damos um jeitinho de atuar como cidadãos com plenos direitos e deveres, e lutamos por uma sociedade em que as leis funcionem para todos?
Jeitinho brasileiro aplicado a boas causas
Tanto de fala em economia criativa, em projetos que incentivam a coletividade, o compartilhamento de recursos e de conhecimentos!
Que tal o jeitinho brasileiro aplicado ao lado INCRÍVEL da inovação e da colaboração?
Lá na Campus Party, neste exato momento, estão um bando de gênios (e outro bando de curiosos) interessados em fazer diferente. Em cocriar. Em colaborar. Uma rede de pessoas talentosas, apaixonadas por tecnologia, que inovam, empreendem, aprendem e compartilham seus conhecimentos.
A rede dots, criada pela Kuki Bailly, é um grupo fechado no Facebook, com 47 mil integrantes e crescendo, cujo propósito é a cooperação mútua. Acabaram de lançar uma campanha de crowdfunding (ou financiamento coletivo) para ampliar a plataforma, para abraçar mais talentos e conectá-los com novas oportunidades, simplesmente através da generosidade de quem quer fazer o bem.
Além do Kickante, no Brasil, há também o Catarse e o Benfeitoria – plataformas para obtenção de capital para iniciativas de interesse coletivo através da agregação de múltiplas fontes de financiamento, em geral pessoas físicas interessadas na iniciativa.
Quantas novas comunidades de troca de peças usadas de roupa ou de venda de artigos de segunda mão pipocam dia a dia? O AirBnb e o Couchsurfing já existem há anos como alternativas aos turistas em todo o mundo. Quantas outras iniciativas que fomentam a colaboração entre seres iguais podemos priorizar e divulgar?
Tem muita gente usando o jeitinho brasileiro para o bem.
Desculpem o desabafo desmedido.
Eu preciso acreditar que estou construindo um Brasil – e um mundo – em que o jeitinho brasileiro inspira, e não repele.
É a parte que me cabe neste latifúndio.
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