Já reparou como as pessoas ficam afobadas em feriados? Natal, Reveillon, Dia das Mães, dos Pais, das Crianças. É sempre igual.
Restaurantes lotados, lojas entupidas, congestionamentos e filas sem fim. (Não que eu não engrosse essas estatísticas, atenção. Sou dessas, que endoidece ao lembrar que faltou um presente na última hora. E sempre falta. E sempre é na última hora…).
Acontece que os trinta e uns anos tem me feito buscar alguns pontos de vista diferentes sobre temas que antes talvez passassem despercebidos. Novos ângulos. Maneiras alternativas de enxergar as situações.
Conto abaixo o “causo” que gerou esse meu momento-reflexão.
Na última Black Friday, tive um compromisso de trabalho e viajei justamente nessa data para uma cidade no interior de Santa Catarina.
Fui para o aeroporto de manhã, já sentindo aquela euforia típica: mercados e lojas decoradas para provocar senso de urgência, promoções relâmpago por todo lado, gente se empurrando nas ruas.
Decolei com uma agoniazinha: estava perdendo descontos incríveis. Ai, ai, ai. Gastrite.
Cheguei ao destino, bem na rua principal da cidade. Estranhei: as pessoas andavam tranquilamente pelas calçadas, caminhando como se não soubessem das oportunidades únicas que tinham naquele dia, e somente naquele dia, de conseguir boas pechinchas!
A decoração das lojas era improvisada com cartazes simplórios e TNT preto. Um ou outro moço cantava promoções em auto-falantes.
Ninguém estava ouriçado.
Ninguém parecia que ia morrer se não comprasse algo.
Ninguém estava se empurrando para entrar em lugar algum.
Num estalo, a sensação de voltar ao eixo de mim. Suspiro profundamente. Outra vez.
Que pressão maluca é essa a que tenho me submetido? Por que preciso consumir o que não é necessário? Por que sinto tanto prazer em levar vantagem? Coisa mais doida.
Se eu não comprar, perdi a chance de economizar. Mas, se eu não comprar, aí é que eu economizo, minha gente! Não é esse o princípio básico da “economia”?
Logo eu, que sei claramente que a Black-Friday é só mais uma data comercial. Sua função é esfregar na cara das empresas algo como: “corram atrás do prejuízo antes que seus balanços anuais tragam más notícias”.
O mesmo ocorre com o fim do ano, que discursa em forma de comerciais emocionantes: “ainda que seus motivos sejam questionáveis ou duvidosos, essa é sua chance de se redimir. Compre presentes!”.
Talvez Papai Noel não tenha ainda um serviço que supra a consciência pesada da ausência paterna. Ou, quem sabe, compense maus tratos aos pais idosos. Ou, ainda, alivie o peso de desentendimentos em família. Percebe?
Esse é o capitalismo, é assim que funciona a vida, é esse o mecanismo que faz girar a economia. Uhum. Sei disso, e até consigo conviver com essa realidade sem me render a ela. Porém, o que me incomoda lá no fundo da alma é que a pressão pelo consumo instituída pelas datas comerciais gera também uma falsa impressão de que o mundo vai acabar. Não literalmente, entenda.
Mas parece que se eu não conseguir resolver tudo até o dia 31 de dezembro, terei falhado miseravelmente como pessoa.
Quem instituiu que um ciclo termina em 365 dias? Tá bom. Contextos históricos, mimimi. Meu ponto é: por que deixo que a pressão do fim de ano – ou de quaisquer outras datas comerciais – dirija quando é que eu devo refletir sobre a vida ou rever minhas atitudes? Ou dar um presente a alguém especial? Ou consumir? Ou whatever?
A chance de mudar e de rever prioridades é diária. Instantânea. Mas no fim do ano é que acumulo todas as neuras e fico angustiada: fiz tudo errado, não atingi nenhuma meta, acho que na verdade nem meta eu tinha. Deprimente, angustiante, devastador, cruel.
A única reflexão que consigo fazer nesses dias é que o tempo não é comercial. Preciso aprender a me respeitar como ser humano.
Quero ser mais sensível às fases da minha própria existência. Desejo aprender com as pessoas seus respectivos multi-versos.
Que se exploda a pressão de ter tudo decidido ou resolvido ou concluído em 365 vezes 24 horas. Deixe-me, apenas, viver cada minuto. Isso, sim, é mais que suficiente.
Feliz vida toda.
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