Aí rolou o Dia da Mulher e pipocou por aí a história de super-heroínas.
Isso me dá um tanto de raiva, me soa como um biscoitinho para cachorro, sabe?
Recompensa por um bom truque. Chamo você de super-heroína para que se sinta orgulhosa de parecer polvo para dar conta de trabalho, filho, casa, marido, cobrança pessoal, cobrança externa, “bota a mão no joelho, dá uma abaixadinha…”
Eu não me candidatei a esse job, e nem tenho pretensão de ser super.
Estou tranquila como reles mortal.
Não quero me sentir exausta e esgotada todos os dias e respirar fundo, seguir em frente, porque “mulher dá conta”.
Quero é sentar junto com o marido no sofá para assistir How to get away with murder (estou achando médio, prefiro Scandal), depois de ele fazer o bebê dormir, enquanto eu fuço na geladeira uma comidinha básica.
Antes de ontem minhas cachorras brigaram, e corre Maria Alecrim para o hospital, com cão sangrando em um braço e bebê no outro. Lista gigante de remédio – farmácia humana, farmácia veterinária, farmácia de manipulação.
Crio 52 alarmes para me lembrar de todos os medicamentos. Antes do remédio, preciso preparar a comida do filho para o jantar, porque depois da natação ele chega cansado e precisa comer logo, senão é um caos. Putz, não tem UMA cenoura nessa geladeira! Bora para o hortifrúti, lá no centro, porque tem que ser tudo orgânico. Coloco o bebê na cadeirinha (um saco, tá na fase do ódio pela dita cuja).
No caminho, aproveito para abastecer o carro e tirar o dinheiro da diarista que vem amanhã.
Meu Whats apita, é o Amor (penso: ufa, parte boa da correria): “Amor, ligue para o Fulano para ver se o seu pagamento já caiu. Te amo!” (tá, não tão boa quanto tinha potencial para ser).
Viva-voz: “Fulano, já depositaram meu salário?”. E eu já sei a resposta. Respondo o Whats: “Amor, nada ainda”. O Amor responde: “Você não quer ligar lá e cobrar? Estamos apertados esse mês”.
Esse mês? Todo mês.
Mando e-mail cobrando. Meu alarme apita. Merda! O remédio.
Volto para casa, dou o remédio, cozinho. Roupa de natação: filho e eu. Desafio da cadeirinha.
Passo na farmácia de manipulação para deixar a receita original do remédio controlado da cachorrinha. Filho dormiu, grito da porta se o moço pode fazer a gentileza de me atender ali no carro para eu não acordá-lo. Ele é gentil e vem. A veterinária errou a data, não dá para fazer o remédio. Tenho que voltar para a clínica e pegar uma receita nova.
Faço isso amanhã, estou atrasada para a natação do filho (momento delícia do dia). PS: na aula, UM pai. UM.
Passo na lojinha da academia: bolo de pote low carb. Pre-ci-so. Estou na TPM. Hum, é gostoso, mesmo sendo fucking low carb, sem lactose patati patatá. Tenho que emagrecer, ainda não cheguei no peso de antes da gravidez.
Chegamos em casa, bebê arranhou o nariz. Desafio de cortar a unha: coisa de 40 minutinhos sem o desenho na TV e 5 minutos com o desenho. Cadê o controle?
Esquento a comida do filho, alimento também as cachorras e os gatos.
Marido chega. Eu peço: “Amor, dá a comida para o bebê enquanto eu lavo a louça?”.
Ele responde: “Amor, dá você, eu não gosto de dar comida”.
Eu retruco: “Ah tá, e eu dou porque eu acho legal quando ele bate na colher e voa comida pra todo lado. Hoje é seu dia!”.
Lavo a louça.
Dou banho no filho, porque o marido machucou o braço. Enquanto ele seca e troca o bebê, eu tomo meu banho de 4 minutos e meio.
Vou dar de mamar, o bebê me morde. Eu fico brava e triste. Saio do quarto. O marido vai fazê-lo dormir.
Chego na sala, a cachorra está vomitando sangue. Corre Maria Alecrim para a veterinária. Nada grave, ela só abriu o lixo e comeu coisas que não devia. Outro remedinho para a lista. Durante a consulta, o marido liga: “Como está aí? (choros ensurdecedores ao fundo). Ele não para de chorar, já fiz de tudo”. A veterinária me olha com cara de pena.
Saio da clínica, cheiro de hambúrguer, meu DEUS, que fome. São 22h. Chego em casa, dou de mamar, ele não me morde e dorme. Amém! Mãe é mãe, pai é tio.
Marido sai do banho. Enquanto corto uns pães e coloco no forno, ele abre um vinho. Afinal, “hoje é seu dia e temos que comemorar” (biscoitinho de cachorro, saca?).
Comemos, bebemos, assistimos a um episódio de HTGAWM, desmaio.
Já cansei de novo, só de escrever. Confesso que nem me dou conta de tudo que faço em um dia. Ontem, depois de conversarmos sobre a greve das mulheres, eu falo para o Amor: “E você, o que faz? Sai, vai trabalhar, volta e só”.
Ele: “…e tento agradar a mulher”. Verdade, ele tenta. Mas falta tanto. E não é culpa só dele. Como resolver isso?
Tenho um filho homem e vou tentar com todas as minhas forças criar um ser humano melhor para um mundo melhor. Que não chega em casa e pergunta o que tem para jantar, mas que abre a geladeira e se agiliza. Que não vai para o banheiro com o celular e fica horas, mas que lava a louça enquanto a esposa está no banho.
Quero criar um parceiro. Para mim e para as outras mulheres.
Não que o meu não seja, ele é incrível, mas rola um processo para mudar comportamentos enraizados.
A minha parte? Não quero em vinho, nem em “elogios” de super-heroína.
Quero em igualdade, em parceria, em respeito. E algumas horas de sono, por favor.
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