Casa: toque para adicionar. Respirei fundo e apertei o botão. Respirei mais uma vez e digitei o endereço do apartamento. Pronto. Estava feito o que eu adiava há meses. Para ser mais específica, 13 meses. Já se passara um ano e um mês desde que eu saíra da casa da minha mãe e ainda não tinha tomado coragem para colocar o meu novo endereço no atalho de caminho do Waze.

Não parecia certo, sabe? Toda vez que eu abria o aplicativo e me deparava com a palavra CASA eu sofria um pouco. Me sentia uma mau-caráter – tipo os que pedem um pedaço de Polenguinho – só de pensar nisso. Preferia digitar o novo endereço todo dia a descartar a rota da casa onde eu cresci.

Me mudei aos 31 anos da forma mais covarde possível: esperei minha mãe viajar, arrumei as malas e fui.

Não, não foi de repente. O apartamento estava em obras há mais de um ano. Sim, minha mãe sabia que eu iria sair logo que ela partisse para visitar meu irmão nos EUA, como faz todos os anos. Havia meses que ela me perguntava:

– E aí, quando você vai mudar?

Sempre faltava algo:

– Ah, mãe, precisa pintar, né?
– Sem chance de eu mudar pra uma casa sem sofá.
– Você ACHA que eu vou sair antes de ter internet instalada?

Até que um dia não faltava mais nada fundamental à minha sobrevivência e eu tive que me posicionar.

Eu não estava casando, que é um baita ritual para marcar a saída da casa dos pais. Também não ia estudar fora ou tinha recebido uma proposta de trabalho longe. Eu estava indo morar com meu namorado na cidade ao lado, a 15 minutos dali. E na falta de um ritual que marcasse aquela saída, estabeleci que a viagem da minha mãe seria o meu.

Ela partiu no sábado e, no domingo, eu já estava de mala pronta.

Peguei tudo que eu precisaria num primeiro momento, enfiei no banco de trás do carro, bati a porta e chorei. Chorei muito. Céus, como doeu! Era para ser difícil assim sair da casa da mãe? Aos 31 anos? Ou o problema era eu, um clichê da geração Y, que não se muda por medo do fracasso?

Pessoas me diziam: “Nossa, foi li-ber-ta-dor sair da casa dos meus pais. A primeira vez que eu voltei lá, nem a reconhecia mais como minha casa”.

Céloko! Por alguns meses, não me reconhecia naquele apartamento. Mesmo montado do jeitinho que eu queria, não parecia meu. Não tinha meus bichos me recebendo na porta. Ou uma escada cheia dos sapatos que eu nunca guardava. Ou o pote de vidro onde aglomerávamos as chaves toda vez que chegávamos. Não tinha uma rotina, sabe?

Lembrei do que uma psicóloga me disse em uma entrevista: “Em geral, quem se desafia descobre que é mais competente do que imaginava.” Ah, tá bom. Só que nunca. Ser sócia-diretora de um lar era o cargo que mais me fazia sentir incompetente.

A minha comida era horrível – de nada tinham servido as horas que gastei vendo vídeos no Youtube. O meu guarda-roupa era uma mala de viagem, porque eu não tinha ideia de por onde começar a arrumação dos móveis. Minhas roupas saíam manchadas ou rasgadas da máquina. E passar roupa… Ah, você só pode estar de brincadeira!

E tinha a saudade da minha mãe, um vazio esquisito no peito que não sumia nem ao encontrar o homem que faz meus olhos brilhar todos os dias.

Foi duro, não vou mentir para vocês. Mas, felizmente, o tempo fez o que ele sabe de melhor: passou.

O apê foi tomando forma, ganhou nossa decoração, nossa bagunça, nossa dog. Nossa rotina. Hoje temos uma vira-lata linda que nos recebe na porta. Meus sapatos estão espalhados pela sala. E as nossas chaves ficam no balcão atrás da porta. A comida está razoável, o guarda-roupas quase completo (sempre falta uma coisinha, né?) e o Daniel assumiu a lavanderia. Passar roupas concordamos em discordar que era importante. Dá uma chacoalhada na peça úmida e seca no cabide que está tudo certo, vai por mim!

Hoje eu saio da minha casa desejando voltar logo, para me jogar no sofá com ele. É, de longe, meu programa favorito. Mas nunca deixei de me sentir à vontade na casa da minha mãe, sempre pertencerei àquele lugar.

Vez ou outra, passo a noite lá, só para matar a saudade, e sinto como se nada tivesse mudado. Não mudou. Quer dizer, agora eu tenho um novo endereço cadastrado no meu atalho do Waze.

E, talvez, tenha percebido que a psicóloga estava certa.