– Amor, vamos ver a Aurora Boreal?

– Quem, Cíntia?

– A Aurora Boreal, lá perto do Polo Norte.

Ele não perguntou se eu tinha bebido. Também não esboçou sinais de estranheza. Tirou a mão do mouse, e me encarou, curiosamente intrigado. Passou longe de sua cabeça me chamar de louca.

Ele me conhecia – sabia que o convite era sério. E que, por mais que soasse novidade, deveria ser algum tipo de sonho daqueles que nos brotam sem motivo aparente no coração, implorando para serem realizados. Ele já tinha visto essa cena antes:

– Amor, vamos passar o Carnaval em Veneza?

– Amor, vamos conhecer as festas da Semana Santa em Andaluzia?

– Amor, vamos virar o ano na Áustria pra ver o Concerto da Filarmônica de Viena?

– Amor, vamos pra Holanda tirar fotos naqueles campos de tulipa encantadores?

– Amor, vamos fazer o trajeto de trem mais famoso do mundo, entre Bergen e Oslo, para ver os fiordes da Noruega?

(Parêntesis necessário: a maioria desses sonhos realizados só foi possível porque moramos por um período em Barcelona, de onde conseguíamos articular a logística, o calendário e as finanças de forma beeem mais viável que se partíssemos do Brasil).

Era incontrolável. Meu olhar efervescia e aquele homem se deixou, mais uma vez, contagiar.

Em cerca de seis meses, tínhamos juntado as economias e organizado o roteiro pela Noruega – que acabou de estendendo também para a Suécia, Dinamarca e Alemanha – viagens que pretendo contar com detalhes em outros textos.

Planejamos 18 dias de neve e emoção, cheios de fotos de lugares que nos custariam alguns unfollows, de tão irritantemente incríveis.

Vale ressaltar que a motivação principal dessa viagem (além da busca pela experiência sobrenatural de ver luzes coloridas dançando sobre nossas cabeças) foi nossa paixão por fotografia. Publicitários amantes de bons enquadramentos, temos uma significativa quedinha por cliques. Nada melhor que belas paisagens para deixar a brincadeira mais gostosa.

Coube a mim fazer as reservas no Airbnb (que em outro texto vou detalhar, porque merecem), comprar as passagens de avião, trem e ônibus entre os destinos e – o principal – achar um guia para aquela que seria a maior aventura de nossas vidas até então: ver a aurora boreal.

Sim, porque não basta você chegar lá apenas com sua boa intenção. Não dá pra ver a aurora boreal de dia. E, à noite, não é só olhar pra cima e pronto. As luzes da cidade, na maioria das vezes, impedem que o fenômeno seja visto em sua plenitude.

Por isso, sim, você precisa de um guia profissional que conheça os macetes da coisa toda: quais as melhores estradinhas afastadas da cidade, como está o clima e quão nublado está o céu em cada um desses locais, que comida é necessária para manter a temperatura do nosso corpo aquecido durante a espera que pode durar a noite toda, que roupas são apropriadas para que não congelemos no processo.

O lugar que escolhemos foi Tromso – uma das melhores cidades do mundo para ver a D. Aurora. Chegamos lá no meio de muita neve. 4 graus Celsius de euforia.

A cidade é bela: por ser universitária, está cheia de pubs com cerveja artesanal e cafés fofos. Em Tromso está o planetário mais ao norte do mundo e também o aquário Polaria, que valem a visita – até porque, durante o dia, não há muuuuito o que fazer no meio de toda aquela neve.

Na primeira tentativa de ver a aurora, frustração. Para economizar com o guia, resolvemos ir sozinhos a um parque afastado do centro. Vai que damos sorte e conseguimos ver! A recepcionista do hotel nos perguntou se tínhamos certeza, e nos explicou o trajeto. Achamos que era OK caminhar pela neve às 22h numa cidade desconhecida perto do Polo Norte.

Vejamos o lado bom: sobrevivemos à traumática experiência de enfrentar uma nevasca de verdade.

No vídeo abaixo compilamos algumas fotos de Tromso e também registros do trauma:

De mochila nas costas e Nikon no tripé, encaramos a segunda tentativa.

Tínhamos reservado apenas três diárias em Tromso – e corríamos o risco de não conseguir presenciar o fenômeno. Tudo depende da atividade solar durante o dia. O agravante: já estávamos no fim da temporada de “caçada à Aurora Boreal”, que acontece durante o inverno, entre outubro e o final de março. Era 10 de abril, e o guia nos deu poucas esperanças. Disse que em meados de abril é pouquíssimo provável que se consiga ver algo.

Entramos na van um pouco receosos, mais ainda quando encontramos um casal que há 5 dias buscava em vão pela dita cuja. Ainda assim, seguimos radiantes pelo trajeto surreal de cerca de 20 quilômetros pela neve sem fim.

O guia foi parando em lugares inexplicavelmente absurdos para que pudéssemos aquecer a alma – e, se conseguíssemos sair daquele estado de paralisia contemplativa, fazer algumas fotos.

Disse que faríamos de tudo para ver a aurora. Se necessário, iríamos até a Finlândia, e era muito louco pensar que ele estava sendo literal.

Paramos num lugar da estrada que mais parecia um mirante. Ao fundo, o mar emendando com o céu. Já passava das 23h, e o que víamos no horizonte era um tipo de crepúsculo que mais parecia o pôr-do-sol. Lindo. Mas cadê a escuridão pela qual procurávamos?

Enquanto isso, o guia preparou no fogareiro um tipo de gororoba energética nojenta sabor miojo para nos aquecer. As roupas de astronauta alugadas não estavam sendo suficientes, naquele relento nevado. O que ajudou de verdade foi a barra de chocolate norueguês que ganhamos.

De repente, uma faixa verde riscou o céu. E começou a dançar, diante de nossos corações acelerados. A ela se juntaram outras três luzes bailarinas. Do outro lado tem mais um monte! Agora ali, perto do mar!

Eram gritos, abraços e lágrimas.

Durante cerca de duas horas contemplamos aquele espetáculo emocionante da natureza.

Foi então que ele me abraçou, e disse, com aquele sorriso imenso no olhar:

– Obrigada pelo convite, amor.