Lembro como se fosse hoje: vesti aquela meia-calça cor-de-rosa a contragosto. Por cima, um collant apertado, apertado. Era a mais alta da turma e gordinha. Aquilo me incomodava (tanto o collant apertado quanto ser a mais alta da turma e gordinha).
Por cima do coque que odiei que minha mãe fizesse no meu cabelo, um tipo de redinha brega que não parava no lugar. Tudo combinandinho com a sapatilha incômoda. Um universo de bailarinices abomináveis para uma garota que queria mais é jogar bola com os amigos do irmão na rua.
Soube depois que minha mãe fez o maior sacrifício para me levar àquela primeira aula. Tinha saído do trabalho em cima da hora, e corrido para chegarmos a tempo. Afinal, todas as meninas da escola estavam entrando no ballet, e ela não queria que eu me sentisse excluída. Sou muito grata a ela, pelo cuidado.
Acontece que, na hora, o que senti não era nada parecido com gratidão. Defino minha reação como um prenúncio de fúria adolescente. Tinha uns 6 anos, talvez menos. E esperneei como se não houvesse amanhã, quando tentaram me enfiar naquele tablado.
Por educação, antes do esperneio, até tentei ficar ali observando para ver se algo me chamava a atenção. Chamou: a repulsa que crescia dentro de mim por aquele mundo perfeito de princesas wannabe. Acho que nasceu aí meu repúdio ao cor-de-rosa.
Via a professora se esticar naquela barra, e aquele bando de garotas elásticas se dobrando como ela. Que tipo de prazer poderia vir daquilo, gente?
Eu não era como aquelas menininhas. Elas borboleteavam. E eu? Sei lá eu. Só sabia que aqueles frufrus todos não eram pra mim, não.
Minha mãe deve ter ficado frustrada – apesar de nunca ter me recriminado pela escolha de nunca mais voltar ao ballet. Ela me respeitou, e tenho consciência do privilégio que tive por ela ter olhado para mim, e visto que sua filhinha querida e competitiva preferia jogar futebol, vôlei e handebol – a dançar com sainhas rodadas.
Lembro-me de seu sorriso discretamente orgulhoso nos campeonatos escolares quando eu comemorava um gol e apontava para ela, também sorrindo. Aquilo sim me fazia feliz e realizada.
Eu era o completo avesso da bailarina. E tudo bem! Minha mãe não me forçou a encaixar nos padrões talvez esperados de uma garota meiga, de cabelos encaracolados e bochechas rosadinhas como eu.
O que ela viu em mim? Que eu tinha características diferentes da maioria das meninas da minha idade. Uma delas é que eu era a mais alta. Sofria por isso. Todos os garotos eram menores – e eu sobrava com a vassoura nos bailinhos. Sempre. O que eu ia fazer com isso? Ficar no meu canto e chorar eternamente? Ou lembrar que eu era criança e tinha mais é que me divertir?
Intuitivamente (ou talvez com estímulos subliminares dos meus pais), comecei a usar a altura a meu favor, nos esportes coletivos. Era a primeira a ser chamada para escolher os times. As quadras eram o meu tablado. Ali, dançava alegremente (tanto quanto minhas amigas borboletinhas, no palco – que talvez tivessem certa frustração ao serem as últimas a ser chamadas para compor as equipes. De alguma forma, eu sabia como se sentiam).
O fato é que criança também tem personalidade. Desde muito cedo. Eu era extremamente tímida, e fui me soltando aos poucos até “estragar” de vez na adolescência.
Minha filha de dois anos, apesar de ser a minha cara fisicamente, tem um perfil bem diferente do meu, na sua idade: é extrovertida, brincalhona, sociável. E adora dançar.
Sabe onde vou levá-la logo mais? Na sua primeira aula de ballet.
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