Fulano não é tão inteligente assim, mas usa aquela verborragia com tanta veemência, que convence a maioria de sua superioridade intelectual.

Sicrano nem é tão gostoso assim, mas recebe tantos elogios nas suas selfies de academia, que acaba acreditando na ilusão de que seu corpo vale mais que suas ideias.

Beltrano trabalha apenas durante 20% do seu tempo útil, mas é tão bem relacionado que inacreditavelmente conquista o respeito dos colegas e provoca olhares invejosos de sua “eficiência”.

Fulana escreve mal pra diabo, mas entrega tão rápido uma resenha que se sente a rainha da produtividade.

Sicrana nem tem tanto conteúdo assim, mas é tão bem resolvida com seu corpo e atitude, que virou youtuber e arrebanha legiões de seguidores por aí.

Beltrana não é tão eficaz, mas tira da frente as pendências com tanta velocidade que ninguém repara que ela apenas as posterga – coisa bem diferente de resolver.

Como a gente explica pra esse bando de Fulanos, Sicranos e Beltranos que eles não são tão bons como imaginam?

Convenhamos: seres humanos não nascem prontos. Precisam aprender a viver em comunidade e interagir uns com os outros para, nesse processo, amadurecer.

Não fosse assim, bebês nasceriam independentes. Crianças não precisariam de limites. Adolescentes não se agrupariam em galeras. Adultos não chorariam por amor. Idosos não se emocionariam com descobertas infantis.

Acontece que, infelizmente, o excesso de autoconfiança gera o tal probleminha da autoestima elevada DEMAIS.

(Vale ressaltar que o problema não é a autoestima elevada – e sim a autoestima elevada demais).

O sujeito se acha tão autossuficiente, que discursos alheios não lhe entram pelos ouvidos. Refletida no espelho, sua imagem é tão reluzente que ofusca qualquer imperfeição.

Admirar-se é importante e necessário. Estar ciente das próprias características positivas e usá-las em prol da coletividade é algo nobre, inclusive.

No entanto, muitas vezes, a pessoa não se contenta em ser boa em algo.

Deixa que aquilo a defina. Que se misture com sua essência.

Se Fulano é um prodígio em um tema qualquer, mas tem esse probleminha de autoestima elevada demais, sua qualidade pode virar uma propriedade intelectual que deve ser invejada, um certificado de relevância humanitária, um troféu que precisa ser exposto, um atestado que esfrega na cara do mundo sua utilidade e diz não ter sido em vão sua existência.

Era só ter passado ali na fila da humildade. Pronto, resolveria.

Mas cabeça dura é uma das principais características de quem tem esse perfil tão seguro de si.

Sicrano não se acha, ele é. Ele não se contenta em ser super, e sim mega-blaster-power.

Quem tem autoestima elevada demais não se abre para crescer.

Acha ser tão completo e tão maravilhosamente capaz, que se limita ao que já é.

Tem medo de pedir ajuda. Envergonha-se. Sente-se exposto e vulnerável.

Daí aquela habilidade linda rapidamente pode virar prepotência: “Eu sou demais. Aliás, sou acima da média, muito melhor que todos vocês, seus lixos mortais.”

Daí aquela qualidade especial, do dia pra noite, pode se transformar em arrogância: “Vocês deviam é me agradecer por fazerem parte do meu seleto círculo de relacionamentos.”

Daí aquela força de vontade tão digna pode, então, virar persistência cega: “Conquistarei meus objetivos a qualquer custo, passando por cima de quem for.”

Daí aquela competência incrível, de repente, pode se tornar cegueira. “Se discordam de mim e me rejeitam é porque sentem inveja da minha capacidade.”

Pena seria ver pessoas tão incríveis, com tamanho potencial, acabarem sozinhas – triste fim de quem não precisa do outro para viver.

E eu com isso?

De fato, é fácil enxergar defeitos no outro.

Muitas vezes, o sujeito é uma pessoa segura de si, mas não resistimos à tentação de julgá-lo, rotulá-lo e esmagá-lo com nossas conclusões antecipadas.

Mas e quando os problemáticos somos nós mesmos?

Como enxergar que possuímos uma imagem equivocada de nossa pessoa?

Será que as verdades tão límpidas que percebemos no espelho são as mesmas que refletimos pela vida afora – dentro e fora de casa?

Cabe a mim e a você validarmos, vez ou outra, com nossos familiares, amigos próximos e pessoas em quem confiamos, como temos sido percebidos. E, claro, filtrarmos o feedback que recebemos de acordo com nossos valores – e não com o que outras pessoas esperam que sejamos.