Saí de casa cedo. Dia chuvoso, previsão de nevasca, trem lotado e eu com uma sensação estranha. Alguma coisa me incomodava. No entanto, eu não identificava a razão.
Sombrinha, ok. Carteira, cartão do trem, documentos: ok. Roupa em ordem. Não havia me enganado ao calçar os sapatos. Devia ser apenas uma falsa impressão de que alguma coisa estava errada.
Pela tela de informação no vagão eu acompanhava o atraso de muitos trens e quis alertar os amigos. Bingo! Descobri o que faltava: meu telefone!
Como faria para cruzar uma metrópole como Tóquio sem meu “pequeno guia”? E as coisas bonitas ou curiosas que eu deixaria de registrar? E o tradutor para me salvar? E as mensagens que eu deixaria de enviar e receber? Frio na barriga. Me sentia nua.
Passado o impacto inicial, relaxei. Há três anos, apenas, uso os tais telefones inteligentes e, até então, sempre sobrevivi sem eles. É verdade que eu nunca estive antes em uma cidade da dimensão de Tóquio, onde as ruas praticamente não têm nome. Mas tentei segurar a ansiedade e encarar o desafio.
Segui meu caminho e comecei a prestar atenção em placas, cores, pessoas.
O telefone deu lugar aos meus olhos.
Guiei-me pelos mapas da rua. Perguntei, usando o meu excepcional Nihongo (leiam-se algumas dezenas de palavras e muita mímica). E cheguei ao meu destino!
Lembrei-me que até alguns anos atrás eu me comunicava com minha mãe por cartas. Talvez estejamos excessivamente acomodados ou condicionados ao conforto que os aparelhos eletrônicos oferecem. Cada vez mais avançam os recursos tecnológicos e cada vez mais nos tornamos dependentes da tecnologia. Para muitos, sair de casa sem o telefone é deixar para trás uma parte do próprio corpo.
O fato é que meus olhos me proporcionaram descobertas que eu não faria se tivesse à disposição a atualização frenética das redes sociais. A ausência de dispositivos móveis, como o telefone, nos obriga a potencializar o uso dos sentidos e a enxergar, de fato, o mundo que se passa à nossa volta.
Devo confessar: senti falta do meu pequeno polivalente. Mas descobri que, sim, posso ficar sem ele. E você, poderia?
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