Tenho uma amiga que é assim: começa a namorar um surfista, na semana seguinte compra prancha com todos os apetrechos, passa a viajar às sextas para a praia, a acordar cedo, a falar “crowd” e “swell”. Mais um tempo, e ela me aparece com parafina nas pontas dos cabelos. Acabaram o amor e o relacionamento, acabou o surf.

No mês seguinte, a garota se encanta por um roqueiro. Aí começam as baladas nos porões do Baixo Augusta, as babylooks com nomes de bandas, os shows bate-cabeça. E por aí vai.

O namorado de agora é um yuppie bem-nascido do mercado financeiro, então ela se veste como a princesa Kate e passa feriados em estações de esqui. História real, qualquer semelhança não é mera coincidência.

O caso dela é mais explícito, e de velocidade vertiginosa, o que chega a ser engraçado pra quem acompanha de fora e divertido, pra ela. É como ser uma atriz, experimentando e vivendo uma nova vida a cada papel.

Mas, isso me faz pensar: em escala e velocidade menores, o quanto algumas pessoas não se metamorfoseiam demais em prol das vontades e gostos de seus parceiros?

Uma outra amiga se separou recentemente, depois de anos de casamento, e, passado o estágio de luto, natural e necessário, agora está outra pessoa, muito mais divertida, engraçada, recuperando a autoestima, bonita, cheia de planos. Daí me dei conta de que ela está voltando a ser o que era quando eu a conheci, ainda solteira. Acontece que os anos de concessões desmedidas em nome da manutenção do relacionamento foram tirando seu brilho, e ela foi se acostumando a viver dessa forma, infeliz e opaca.

É claro que toda relação nos transforma e esse é um dos objetivos de compartilhar sua vida com alguém: mudar pra melhor, evoluir, aprender, trocar. Meu marido, por exemplo, me ensinou a ver filmes geeks, a ser menos bagunceira e a amar Portugal, dentre muitas outras coisas. Mas, em compensação, por ele, no início de namoro já deixei meu lado medroso e “confortista” pra mergulhar de cilindro em Fernando Noronha (o que foi realmente incrível, mas, ok, tá visto, não é pra mim, não espere que eu vire mergulhadora profissional, por mais amor que eu tenha).

Já vi uma especialista explicando que uma relação saudável e bem-sucedida deve funcionar como um diagrama de Venn, tipo esse:

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Ou seja, são três elementos diferentes: eu, o outro e a relação, e esses três devem ser balanceados e harmônicos. Cada um deve colocar uma parte de si na intersecção, mas preservar alguma coisa do lado de fora.

Quando não se coloca nada ou muito pouco – como é o caso daquelas pessoas que não investem, não abrem o coração, não cedem nunca –, a relação fica magrinha, vai definhando e morre. Tem também o oposto, quando se coloca demais na relação, esquecendo as individualidades, tipo “só faço se ela fizer”, “só vou se ele for” e “vamos assinar nossos e-mails juntos e criar uma única conta no Facebook”. Aí a relação corre o risco de inchar, pesar demais e não se sustentar.

E tem o último tipo, fadado ao fracasso, que é esse do qual estamos falando: os amores camaleões. Quando um dos dois investe muito mais e passa a orbitar ao redor do outro. Essa analogia ao simpático lagarto vem bem a calhar, pois a sua habilidade em trocar de cor é um mecanismo de sobrevivência. E os amores camaleões também trocam de cor de cabelo, de estilo, de corpo, de time, de profissão, pensando que, ao satisfazer o parceiro o tempo todo, a relação sobreviverá. São o contrário dos amores mutualísticos, em que ambos contribuem e se beneficiam daquela troca.

Valem, então, algumas reflexões constantes: até onde vão os meus limites? Os círculos de minha vida e relacionamento estão harmônicos e balanceados?

E, a principal: queremos sobrevivência ou felicidade?