Como pais ou filhos, certamente já ou ouvimos discursos que enfatizam a importância de dizer não para as crianças. Aquela coisa básica de que é preciso colocar limites, etc-e-tal.

O que ocorre, entretanto, é que esquecemos que o “não” vai além da relação de pais (ou cuidadores) e filhos. É impressionante a dificuldade que temos em verbalizar essas três letras que, juntas, representam tanto!

Para colegas de trabalho que querem comida japonesa, quando não temos dinheiro:

– Não vou.

Para o chefe que perde a noção da autoridade:

– Não posso.

Para nosso amigo que insiste em sair, quando queremos ver Netflix:

– Não tô a fim.

Para quem está abusando da nossa paciência:

– Não ouse.

Para quem descumpre promessas eleitorais:

– Não me representa.

Para as brincadeiras que nos machucam:

– Não tolero.

Para aquela pessoa que insiste em manter uma relação falida:

– Não amo.

Muitos temos a convicção de que é dispensável dizer não, como se a negativa estivesse subentendida. Ou seja, esperamos que o outro adivinhe as nossas vontades.

Provavelmente, a única pessoa no mundo que poderá deduzir as suas vontades com um pouco de exatidão é a sua mãe, que o conhece desde que você tinha cara de joelho ou era um B-HCG positivo. Para todas as outras pessoas, clareza nunca é demais.

Influenciados pela ideia de que negar alguma coisa é falta de educação, aceitamos fazer pelo outro aquilo que vai além das nossas possibilidades ou disponibilidades.

Hospedamos, sem ter espaço em casa, o vizinho-do-amigo-do-primo. Carregamos, sem poder, uma mala pesadíssima para levar as encomendas da filha-do-colega-que-estudou-com-a-gente-há-20-anos. Emprestamos o carro ou o livro ou aquela roupa de estimação quando, na verdade, não queríamos emprestar. Vamos, sem vontade, a eventos chatérrimos quando preferiríamos descansar, ler, ou não fazer nada.

Influenciados pela ideia de que dizer “não” é mal-educado, aceitamos coisas como essas. Então, geramos e ruminamos mágoas. Ficamos frustrados.

Dizer “não” fica mais fácil à medida que decidimos respeitar os nossos próprios limites. O mal-estar temporário que pode ser negar alguma coisa para alguém é muito menor do que um longo tempo de ressentimento.

Talvez o mundo fosse mais amável – e honesto – se soubéssemos negar aquilo que não podemos ou não queremos fazer. Se assim fosse, diríamos mais vezes “não” e aceitaríamos ouvi-lo com mais naturalidade – já que cada pessoa tem suas limitações.

Evidenciar nossos limites não é falta de delicadeza. É liberdade.