Decidi pintar minhas paredes de branco, para iluminar o ambiente.
Apesar de nunca sequer ter pegado um pincel na mão, assisti à meia dúzia de vídeos no Youtube, anotei a lista de materiais e fui confiante à loja.
No balcão, com aquela firmeza de quem sabe o que está fazendo, solicitei os produtos anotados.
— Qual tonalidade?
— Lata ou galão?
— Tinta acrílica ou látex?
— Quer o rolo que absorve mais tinta ou o que não respinga?
Um pequeno pânico. Mas, depois de avaliar todos os prós e contras, fui embora orgulhosa de minhas aquisições.
Arrastei os móveis, cobri com fita crepe os rodapés e vesti roupas velhas.
A primeira dificuldade encontrada foi diluir a tinta, pois a transformei em guache. Eu, que sempre tive um probleminha com medidas, coloquei mais água do que deveria. Deve ser por isso que em todos os almoços de família eu sempre fico com a função de arrumar a mesa e nunca preparar o prato principal.
Quando contei aos familiares meu mais novo projeto, meu pai – como todo pai cauteloso – disse que era para chamar o pedreiro, pois eu não tinha experiência, estragaria toda a parede e, no fim, gastaria o dobro do que não queria desembolsar para o serviço do rapaz.
A verdade é que, com o orçamento apertado, eu tinha duas opções: ou pintava eu mesma sem margem para erro ou ficava com aquele verde desbotado.
Aplicando na parede aquela tinta mais rala que suco em pó, observei o líquido escorrer do teto ao chão, como as lágrimas que quase caíram de meus olhos.
Quem pintava as paredes da minha casa quando criança era meu avô. Então, ligo para ele pedindo por socorro. Sinto-me novamente a criança que fez alguma bobagem e agora deseja abrandar a culpa.
Ele, depois de me ouvir, abre meus olhos para enxergar a situação por outro prisma:
— Isso não é problema! É só arrumar. Essas coisas acontecem. Não tem feijão que estraga quando salga demais? Joga fora e faz outro.
Pela segunda vez na loja, descubro que para aquela cor específica não existia lata menor. Como não poderia gastar o dobro do que tinha planejado, compro outra tinta branca de uma embalagem pequenina, mesmo alertada pelo vendedor que minha parede ficaria manchada.
Meu avô, bondosamente, foi me orientar. Chegando lá, angustiou-se com o caos e começou a pincelar:
— Oh, tá bom! Olha a parede, que boa que ficou!
Se não estivesse usando as lentes de contato que corrigem meus 3 graus de miopia, provavelmente concordaria. Não sabia no que focar: na tinta aguada, nos borrões ou no meu avô idoso que quase tropeçava na lona.
Pintamos uma parede e, para poupá-lo, disse que estava muito cansada e terminaria no dia seguinte. O que não era mentira, eu mal conseguia levantar os braços.
Alertei meu avô que ele não tinha mais idade para pintar, que era um serviço pesado e que sua coluna corria risco. Vi em seus olhos a chateação do “não poder mais”.
O que ele não sabia era que havia ali outra parede a ser renovada: eu.
No dia seguinte, quando ele descobriu que eu havia desistido, e chamaria o tal pedreiro para finalizar o serviço, energicamente disse:
— Você vai pintar, sim! Não tem nada de não conseguir! Não vai chamar pedreiro coisa nenhuma. Você é uma menina esperta, inteligente. Você pode e eu te ajudo.
Eu precisava daquilo.
Alguém que não tivesse medo e apenas dissesse: vamos, você vai fazer, você pode e eu vou contigo! Alguém a dar coragem, um caminho e nenhuma alternativa. Com firmeza, mas em um tom amável e generoso. Alguém com maior clareza sobre mim mesma.
No dia seguinte, deixei todas as paredes brancas como a neve – até massa corrida passei. E, internamente, fui pincelada pelas sábias palavras de meu avô.
Eu e as paredes, enfim, iluminadas e sem manchas.
Sem Comentário