Assistir a programas estilo “reality com conteúdo”, como Master Chef, The Voice, e afins, me aguça o senso crítico. Fico opinativa. Gosto de analisar o todo, os detalhes, e de perceber quanto de cada participante, às vezes, temos dentro de nós, também.
O primeiro episódio do programa Master Chef Profissionais mostrou claramente os chefs que se destacarão, os que virarão memes, os que continuarão perdidos, etc. Incrível como, mesmo sendo um programa com profissionais da área da culinária, aparecem tantos erros crassos da minha e da sua vida.
Eu, uma mera amadora da cozinha, não me atrevo a analisar profissionalmente os pratos, as provas, os desempenhos. Mas fico observando os jeitos, as posturas, as personalidades. O ser humano me intriga, já diriam alguns filósofos.
Na última prova eliminatória, foram para a berlinda quatro cozinheiros. Com quatro personalidades completamente diferentes que me fizeram pensar em quatro perfis de pessoas com quem convivemos. Todos, tipos clássicos da nossa geração.
Veja se reconhece algum deles:
1. Autobrincalhão
A vida pede seriedade e o sujeito “nada”.
No sentido literal e figurado da palavra. Competente, sabe lidar com pessoas, gosta de fazer o que faz. Mas sempre tem uma piada pra qualquer final de frase. Tudo é motivo de graça. Não é otimismo exacerbado. É irreverência com a vida, sabe? Mesmo que a ocasião exija um nível de seriedade e concentração, quem tem esse perfil pode até assumir, minimamente e temporariamente, uma postura responsável. No entanto, será “traída” pelo seu jeito quase inconsciente: “tudo tem um motivo pra ser engraçado”. Ri de si mesmo, ri dos desafios, e “nada”. Nada, do verbo nadar. Fica perambulando na superfície da água, sem muito caminho, sendo levado pela corrente que for mais forte. Pessoas com esse perfil têm tendências a serem desaforadas, abusadas, beirando a petulância e o desrespeito.
2. Sério desleixado
Precisa aprender a cuidar melhor do essencial.
Sabe o que faz, estudou pra isso, tem experiência prática no que defende. Mas é desorganizado. Precisa sempre da segunda chance. E de mais prazo. Não consegue acertar de primeira, mesmo sabendo o que fazer. Só depois de uma pressão quase sobre-humana, revela seu perfil resiliente, que se reinventa, com respeito, foco e concentração. Mas quase põe tudo a perder, porque foi relapso. É distraído. Tem mais medo do que gana. Tem mais pavor do que tesão. Consegue se reerguer, mas erra coisas básicas. Falta muito foco, beira a displicência.
3. Melindroso egoísta
Tudo tem que ser do seu jeito. E no seu tempo.
Nem adianta pressioná-lo, vai ser no prazo que ele determinou mentalmente. É competente, meticuloso, mas também ardiloso, cheio de quero-queros. Precisa de confetes, mesmo que não assuma. De tanto querer organizar, a vida passou e ele nem viu. Queria fazer tudo tão do seu jeitinho, que não conseguiu se organizar para cumprir prazos e estabelecer metas. Prolixo. Se for confrontado, chora, trava, precisa de um tempo pra se recompor. Amigo, a vida é cruel e o relógio não pára. Não dá pra esperar você se reerguer psicologicamente, a onda vai te derrubar de novo antes de você terminar de levantar. E a vida é assim: “esquenta, esfria, aperta daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”, já dizia Guimarães Rosa. Você vai ficar parado aí, esperando um chefe menos bravo, ou um salário mais valorizado, ou um dia menos inchado, ou uma situação ideal pra agir e viver? Precisa crescer. Chega de gaguejar e não saber nem sequer definir em palavras seus sentimentos imaturos de rejeição, dor e autocomiseração.
4. Sabichão insubordinado
Ele sabe muito e sempre estará certo.
Sua auto-confiança é inabalável. É quase uma afronta ser questionado, tamanha certeza do que diz. Também é muito competente e curte o que faz. Mas gosta mais de mandar e ter razão do que realmente ensinar alguém. O “problema” é que o cara é seguro e consegue dar conta de viver sob pressão, coisa que outros dois perfis, acima, não conseguem. É arrogante, petulante, metido. Não admite receber ordens. Lá no fundo, sabe o que é melhor pra ele, mais do que qualquer pessoa. Precisa ser o centro das atenções e, acima de qualquer coisa, não sabe lidar com repreensões públicas. Ele fará de conta que não ouve e continuará mandando, passando por cima de qualquer superior a ele, em grau de hierarquia. Essa insurgência leva ao erro, meu caro. Ninguém chega longe quando sabe tudo e vive sozinho. Gente que é gente precisa de gente pra crescer. Você não deve saber ensinar bem, se não sabe aprender bem.
Uma chef
Mulher à frente do seu tempo.
Desafiadora. Doce. Sutil. Forte. Decidida. Competente. Mais do que o bancar o título de chef, ela ama fazer o que faz. Aliás, é por isso que tem o título que tem. É dura, quando necessário. É instigadora, quando provocada. É motivadora, quando falta incentivo. Sabe encorajar como ninguém, e seu estímulo vai além de palavras de ânimo. Coloca a mão na sujeira, pra limpar. Sabe valorizar o que é importante, mas tem foco e energia pra pensar – e contagiar as pessoas – no que é essencial. Sabe dar risada, faz micagens. Entende que tem horas que só rindo mesmo. Ensina a encarar os desafios com muito respeito por eles, mas também com muito tesão e gana. Talvez não acerte todas, mas, definitivamente, tenta. E tenta da forma mais pura e carinhosa. Dá pra ser chef e ser delicada. Dá pra mandar sem parecer arrogante. Dá pra controlar a situação mostrando empatia. Dá pra fazer muita coisa quando se gosta do que se faz e quando se é competente para tanto.
Este encontro, de quatro perfis e uma chef, causou um resultado no reality. Porém, em mim, gerou a sede de escrever sobre o que nos move, o que nos instiga, o que nos provoca, o que nos impulsiona.
Precisamos de mais. Ser isso aí, dos perfis acima, é pouco. Precisamos de mais profundidade e mais entrega. Eu preciso querer mudar, pra depois pensar em mudar o outro.
Tá na hora de assumirmos nossas responsabilidades e crescer. Esses perfis não encaixam numa vida pós-moderna, em que as pessoas deveriam ser úteis, não descartáveis.
A granel, só laranja, por favor.
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