Presenciei o diálogo que dá título ao texto no auge do advento das selfies, em meados de 2012.
Tinham acabado de entrar no Facebook mamãe e titia, com mais de 60 aninhos cada. E estavam um pouco confusas. Em meio a tanta informação interessante, insistiam em invadir suas timelines as (hoje famosas e batidas) selfies de moçoilas feitas no espelho.
Geralmente, vinham acompanhadas de trechos aleatórios de músicas ou de frases de efeito sem créditos para os respectivos autores. Ou – pior – erroneamente atribuídas ao coitado do Drummond, que jamais proferiu 10% das palermices “assinadas” com seu nome nas redes sociais.
Você já deve ter visto e talvez até reproduzido esse tipo de registro: celular a postos, cabelo meio de lado, melhor perfil à mostra, mão na cinturinha, cara de vagaba e aquele bico.
Tem também a versão “mano”, dos garotos descolados que se juntam em bando e fazem um “V” de vitória. No lugar do bico, caras de bad boy não menos bizarras que as das versões femininas.
Confesso que sempre achei estranha essa necessidade humana de se autorretratar. Pessoas tão normais, que convivem comigo no dia-a-dia e sem aparentemente nenhum distúrbio mental ou psicológico, de repente, são acometidas por esse surto. Quando menos espero, lá estão também exibindo os biquinhos ou as caras de maus em minha timeline.
O mais intrigante é que, na maioria das vezes, essas fotos são feitas – solitária ou conjuntamente – em algum banheiro. E o que antes ficava restrito ao pensamento do próprio sujeito, hoje é reverberado ao mundo no Instagram.
Sim, porque independentemente da legenda, o que leio nessas selfies é “veja como tô gostosa” ou “pirem, gatas, os anabolizantes estão fazendo efeito”.
E é cada vez mais inevitável o medo que sinto de entrar em algum lavabo público e constranger alguém no meio de sua pose.
Hoje em dia, com a efervescência das câmeras profissionais (ainda que em mãos profanas artisticamente) e a imensa demanda por fotos de perfil nas mais diversas redes sociais, essa coisa de autorretrato evoluiu. Pouco, mas evoluiu.
Vejo menos bicos e mais fotos de gente de verdade. Que alívio. Tudo bem que as frases de efeito que as acompanham continuam justificando a necessidade de chamar a atenção alheia sobre si. Afinal, fica chato postar uma foto e não escrever nada no tal descritivo.
Então o moço abre aspas e bota lá alguma coisa tosca que ele acha interessante, pra fazer de conta que estão curtindo o que ele disse, e não sua cara carente de gato de botas pedindo confetes.
A garota posiciona a câmera acima da cabeça, de ladinho pra pegar bem o decote, e manda um “Amanhã você vai achar um jeito de sorrir daquilo que hoje te fez chorar.”
Pelo menos o bico e a cara de mau não estão mais tão presentes – e essa é a única evolução que consigo identificar até o momento.
Mas sigo com fé na humanidade. Especialmente quando encontro fotos de perfil metafóricas de pessoas que brincam com a própria imagem, representando-se com algo nonsense ou divertido. Isso revela muito sobre suas personalidades e autoestimas.
Adoro gente que não precisa ser chamada de linda publicamente para saber-se bela.
Aliás, esses comentários nessas fotos também sempre me incomodaram. “Linda! Linda! Linda!” Parece que é só a beleza que a imagem consegue retratar. Dificilmente vejo alguém dando um feedback sobre a personalidade da garota, ou sobre como ela é divertida, criativa, carismática.
Então a foto de perfil e as selfies têm virado murais públicos de reforço positivo de autoestima. É quase como mulher carente que desfila ao lado de obra para ver se ganha uns fiu-fius escrotos. Precisa disso, gente?
Sei que autorretrato é coisa antiga. Que deve existir desde a Idade da Pedra Lascada em forma de arte rupestre. Que diversos artistas respeitadíssimos pintaram ou esculpiram seus próprios bustos a fim de transmitir ao mundo sua visão sobre si mesmos. Mas, seriam as selfies a versão contemporânea dos autorretratos vangoghianos? É… sei não.
Tendo a concordar mais com a teoria implícita na fala da minha tia. Sua resposta bem-humorada à pergunta irônica de minha mãe revela uma ânsia do ser humano sobre a qual vale refletirmos:
Mãe, reflexiva: – Por que será que essa mocinha tira tantas fotos fazendo bico?
Tia, conclusiva: – Acho que ela queria ser passarinho.
Deve ser isso! Mais que nos sentirmos estimados, queremos voar. Queremos a liberdade de ser quem somos, de provocar o senso comum, de gritar nossa identidade, de aceitar nosso reflexo no espelho.
Que tal, então, ao invés de fazermos selfies, começarmos a refletir sobre quantas características boas nós mesmos temos além da beleza?
E que tal, no lugar de metralharmos “linda” em fotos alheias, observarmos com mais atenção a grandeza interior dos seres humanos únicos que nos rodeiam?
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