Crise profissional: quem nunca?

Há uma crise velada no mundo corporativo. Crise de propósito e de profissionais padronizados e indiferenciados. Uma certa insatisfação modorrenta que, aos poucos, vai minando a motivação e a autoestima de inúmeros profissionais.

É uma dor latente, que estoura em ritmos diferentes em cada um de nós. Mas, de repente e invariavelmente, a angústia vem à tona:

O que eu estou fazendo da minha vida?

Estou insatisfeito, mas não tenho ideia do que fazer para mudar.

O que eu sei fazer de verdade? Eu não sei fazer nada!

Soa familiar?

Boa parte dos profissionais que chegam até mim está em crise, se debatendo com alguma variação dessas questões.

Essa tal crise tem dois componentes centrais, de acordo com minha experiência: o primeiro é desconhecer os próprios critérios de sucesso; o segundo é a falta de autoconhecimento profissional.

Conceito de sucesso: qual o meu?

Explorar, questionar e seguir os próprios critérios de sucesso não é trivial.

A maior parte dos profissionais cede à inércia-nossa-de-cada-dia e simplesmente segue o caminho esperado, ou os critérios alheios, socialmente aceitos, as pressões do ambiente. Sem nunca questionar.

Essa miopia é o motivo pelo qual há gente que parece ser incapaz de se sentir realizada em carreiras brilhantes e bem pagas.

Esse papo é sério e importante, mas vamos tratá-lo em um outro momento.

Autoconhecimento profissional: um passo necessário

O foco deste texto é o segundo componente da crise. Precisamos falar sobre autoconhecimento profissional.

Na verdade, precisamos entender e reconhecer os nossos próprios talentos e descobrir onde eles podem ser melhor aproveitados.

Existe um conceito em economia, cada vez mais popular na análise de empresas, chamado “Capacidades Dinâmicas”. Em termos simples, é algo muito-muito-muito-difícil de copiar. É alguma capacidade tão intrínseca ao DNA de uma empresa que qualquer esforço de um concorrente para copiá-la demandaria muito tempo e/ou muito dinheiro e, ainda assim, produziria um resultado pior. Ou seja, é um jeito mais assertivo de qualificar o tal do talento.

É o caso das montadoras americanas tentando reproduzir o modelo Toyota de produção, sem sucesso. Ou o esforço da Universal em igualar-se à Disney como complexo de entretenimento. Os exemplos são inúmeros.

Essas características são chamadas de dinâmicas, pois são facilmente adaptáveis a diferentes contextos e, portanto, capazes de propulsionar mudanças e gerar o máximo de valor. Genial na teoria, certo? O mais cruel é que, por serem algo tão arraigado e tão fácil para as empresas em questão, essas características cruciais para a geração de valor passam despercebidas, na prática.

O que pouca gente percebe é que o conceito de capacidades dinâmicas também se aplica a profissionais. Sim, você mesmo que está lendo este texto!

Ao longo da vida, desde a infância, vamos cunhando e reforçando certas características que passam a ser tão intrínsecas a nós, que não mais as percebemos. E, pior, não notamos também que nelas é que vive nosso grande potencial profissional, o que nos diferencia na multidão, a nossa capacidade de gerar valor extraordinário.

São competências que nos permitem realizar certas tarefas com tamanha facilidade, que não somos capazes de entender como aquilo poderia ser difícil para alguém.

E, por ser tão fácil e estar tão disponível para nós todos os dias, cometemos o crime de não dar a devida atenção ou valor à nossa maior qualidade!

Sua capacidade dinâmica nunca será “seus conhecimentos de RH” ou “suas técnicas de marketing”. Uma análise bem feita de capacidades dinâmicas revela o porquê de você ser bom nisso (e em outras coisas também).

Um exemplo prático

Meryl Streep e Daniel Day Lewis são excelentes atores.

Mas seu talento não está em sua capacidade de atuar per se.

O que os faz tão extraordinários são processos de criação muito diferentes.

Ela faz três filmes por ano é capaz de interpretar a lista telefônica, mudando suas expressões faciais e a entonação da sua voz (como fez em uma entrevista lendária no programa da Ellen Degeneres). Já ele faz um filme a cada quatro anos, só aceita personagens densos e faz pesquisas e laboratórios extensos sobre a psique e as limitações de seus personagens. Durante as filmagens do Lincoln (seu último Oscar), não saía do papel nem durante os intervalos e as noites. Por um ano inteiro, ele era o Lincoln.

Ela talvez também se desse bem como dubladora ou mímica. Ele provavelmente também seria excelente psiquiatra ou pesquisador. Embora entreguem resultados brilhantes em atuação, o que genuinamente agrega valor em suas performances vem de fontes diferentes. Capacidades dinâmicas distintas.

Como descubro meu talento?

Conhecer a própria capacidade dinâmica é o ponto de partida para entender o valor que cada um de nós agrega a uma tarefa, grupo ou empresa.

Quanto mais valorizadas e necessárias forem suas capacidades dinâmicas no exercício de determinada função, melhor será seu desempenho e menor será o esforço necessário para executá-la.

Esse autoconhecimento tem o dom de alavancar nossa percepção de produtividade, competência e entrega de resultados.

Além disso, quando um profissional ganha consciência do que o faz feliz na vida e quais são os atributos sobre os quais ele consegue agregar real valor, todas as escolhas futuras e mudanças passam a ser mais significativas, direcionadas e muito menos sofridas.

O processo de autoconhecimento profissional em profundidade, deve ser acompanhado por um profissional qualificado, mas existem algumas reflexões autoguiadas que podem ajudá-lo a começar:

  1. Que tipo de atividades (simples ou complexas) eu faço com muita facilidade? Dica: se não sabe por onde começar, pense que qualidades as pessoas costumam elogiar em você.
  2. Por que consigo desempenhá-las com tanta facilidade? Dica: não se contente com a primeira resposta. Pergunte-se por que pelo menos 5 vezes.
  3. Quanto dessas habilidades estão sendo utilizadas/exigidas na sua função atual? Dica: para evitar respostas simplistas, pense o que está impedindo você de utilizar tais habilidades plenamente.

Iniciar esse processo de autoconhecimento profissional é uma atitude corajosa. Ele pode ser doído e transformador.

Mas, acredite, é o melhor que você pode fazer pela sua sanidade e, especialmente, para saber que diferença você faz.